Rosa Pena
Para onde vão as quimeras que nós profanamos? Sonhos não podem virar realidade. Devem ficar em estado de eterna utopia. Será que vão morar junto com o anel que “tu me deste era vidro e se quebrou”, o outro pé do brinco indiano, o batom cereja que a mochila da Company engoliu, o bilhete recebido com aquelas flores em algum dia dos namorados, a velha e companheira Lee comprada na nossa estréia em Free Shop?
Há um esconderijo, um pântano onde são tragados os sorrisos dos quinze anos, bolo vivo de meninas ainda brotos de mulher, a paquera com o professor de história, o cheiro de suor do bruto tesudo que dirigia a lotação do Nelson, o gosto do vinho daquele reveillon, quando a gente ainda acreditava em ano novo vida nova, o beijo delicioso que não teve replay (a língua ficou à míngua). “O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”.
Ficam lá, numa esquina impenetrável, ao som de meia dúzia de frases repetidas pelos deuses da nostalgia e a gente implora ao diabo contemporâneo para esquecer. No dia em que percebemos que eles, finalmente, compraram passagem pra desmemória... Ah! Escrevemos para imortalizar.
É bizarro ver os lábios trancados e as palavras voando soltas. Acho que ficamos com uma puta vontade de “gritar” no aberto tudo que vivemos em pvt. Perai galera! Vivi sim!
Talvez mais... É uma vontade filha da mãe de falar para as mocinhas, teimosas em nos ensinar como é a vida, que já tivemos brincos caducos, bolsas de griffe, aeroportos com suspiros de tesão, vinte e nove semanas de amores proibidos, desejo súbito de ter geladeira amarela para homenagear o submarino, AP cheirando a incenso patchuli, corpo borrifado de Chanel n°5, calcinhas da Victoria's, cangas de bali, barriga sarada, Red Bull sem flacidez nas asas.
A gente não nasce tias do Mauro Rasi. A vida é que nos veste delas.
Pipas no Ar
Rosa Pena
Sônia Braga, menina moça na novela, tão boazinha e equilibrada, rouba na cara de pau o marido da amiga. Não é traidora, é só exótica. Foi-se o tempo em que geladeira era branca e telefone, preto. Agora, só barata voa ou pipa ainda voa?
O menino pede ao pai para comprar papel de seda. O silicone conversa com o botox sobre o ortomolecular que faz a pessoa perder 20 quilos em dez dias. Foi-se o tempo em que médico era doutor e mago era bruxo.
O menino pergunta para o pai o que é rabiola.
O bichólogo avisa que Netuno está na casa de Urano e que este pode ou não entrar pelo cano, mas que ainda assim a Cicarelli vai se casar com um bombeiro mecânico búlgaro. A Bulgária vai virar companheira.
Foi-se o tempo em que astrologia estudava astros e estrelas e não astros e estrelas comandavam o universo. Vênus já foi de Botticelli agora é a Cicarelli.
O menino quer a rabiola toda colorida. O macarrão vira cola.
O personal trainer avisa que com 58 sessões de RPG aquela dorzinha chata passa. Foi-se o tempo do Emplastro Sabiá, aliás, o Sabiá nem sabe mais se vai voltar, pois está na dúvida se aqui é o seu lugar. O menino pergunta pela linha e o que é cerol. O pai avisa que não se corta a beleza dos outros sem se cortar a si próprio.
O celular toca, só para avisar que está Vivo. O telemarketing ocupa a linha. Foi-se o tempo em que se dizia tem um boi na linha. Agora tem uma boiada mesmo e dela não sou rei, sou só um filho da puta de consumidor.
O menino pergunta pela armação! Da pipa e não a da telefonia.
O relógio sem ponteiros e sem números tenta avisar em Braille que está perto de meia-noite. Foi-se o tempo em que se via hora em relógio. Agora ele só serve para assalto.
Pessoas começam a abrir a champanhe sem pressa. A família que espere, o fogaréu deste ano pipocará durante duas horas sob o patrocínio da Rede Globo. Plim plim! Tudo bem, pois meia-noite é só lá pra uma da matina. Horário de verão é a grande solução para a crise do planalto. Todo mundo chora e grita empurrando uns aos outros: "Paz!".
O pai mostra ao filho o papagaio pronto em forma de estrela guia. O menino ignora o dia, a hora e coloca sua pipa dentro do primeiro arco-íris do novo ano. Para ele não existe nenhuma dúvida, nenhuma questão pendurada, se Plutão era planeta ou anão, se Elvis Presley morreu ou não. Só interessa que o menino nasceu.
Com licença e sua bênção, 2008.
Recriação
Rosa Pena
Pesquisa de opinião:
O que lembra o Natal?
Deu na cabeça:
Papai Noel
(também com a cara estampada,
na TV, no jornal).
Abaixo:
(pequena margem de diferença)
O presente.
Daí em diante...
Chester
Tender
(com ou sem love?)
peru
panetone
frango
(para aquele que falta o tutu).
Lembraram até do trenó,
do pisca- pisca noturno
na árvore da Lagoa.
da neve
da rena.
E Jesus?
Que pena.
Ficou pro segundo turno.
Ainda bem que Ele perdoa.
Já conhece a gente
e nos recria contente!
foto: minha amiga Charlyane e sua netinha Thamy!
Prova da felicidade na recriação!
Feliz Natal
Um Natal nada virtual é tirarem a autoria de: Isto é virtual, texto de Rosa Pena!
Entrei apressado e com muita fome no restaurante. (Não entrou não seu cara de pau, quem entrou fui eu Rosa Pena, e mais, entrei numa confeitaria, até que alguém resolver tirar minha autoria e repassar como se tivesse vivido o que eu vivi.)
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