04/12/2005 18h18
Uma Noite Super Feliz
Rosa Pena

A casa pode ficar suja,
a geladeira vazia,
a louça toda sobre a pia.
Que venham...
Os palpites da titia,
a vizinha da coluna do meio
a prima não muito querida,
o vovô que tem azia
a menor desconhecida.
Não quero a mesa fria!
Que ceiem sem rodeios.
Podem comer tudo.
Do peru até a torta.
Dizer que faltou a ricota.
Deixar o copo atrás da porta,
o papel de presente sobre o sofá
o tapete todo manchado!
Eu e meu amado,
juntinhos lado a lado.

Meu corpo cansado!
Meu coração?
Ah!...Renovado!

Que seja uma noite super feliz.
Exatamente como
Jesus sempre quis.
A divisão do pão,
a verdadeira união.

Feliz Natal!

Publicado por Rosa Pena em 04/12/2005 às 18h18
 
04/12/2005 00h16
Ho, ho, ho
Rosa Pena


Fui ao shopping para começar as compras de natal. Enfeitadíssimo e o majestoso papai Noel sentado logo na entrada para posar em fotos com as criancinhas no colo. Lembrei-me que a Carol, minha filha, sempre teve um medo terrível do bom velhinho e eu jamais consegui que ela tirasse uma foto com ele, por mais que ele sorrisse para ela e fizesse promessas vãs. Agora talvez ela sentasse no colo do Noel caso ele fosse um Gianecchini e nem precisaria de sorriso ou promessa. Ho, ho, ho! Piadinha sem graça essa minha!

Passei em frente a uma galeria de arte. Fiquei parada olhando quadros originais e serigrafias perfeitas do Volpi, Fernando Brennand entre outras. Maravilhas da vida, quase vivas, prontas para saltarem das telas de tão expressivas. Observei porém, que as molduras eram feias, rudes, sem acabamento. Não mereciam estar envolvendo estas obras geniais, fruto da inspiração divina.

A pressa me fez partir rápido e ir parar in front of ao Ponto Frio Mauzão em busca do DVD que a Carol me pediu de natal. Inúmeros televisores ligados exibiam propagandas com outros "Noéis" cintilantes cheios de ofertas incríveis. Patins, bikes, carrinhos com controle remoto etc. e tal. Compre hoje e pague no ano 5000 em 68 vezes sem juros; elas juram!

Um menino olhava fascinado para a TV, assim como eu anteriormente havia olhado os quadros. A mãe preocupada tentava tirá-lo dali, avisando-o que o máximo que ganharia de natal era um sapato novo e olhe lá. - As propagandas são mentirosas e mesmo que não fossem, não arrumo dinheiro nem nos próximos 3000 anos para pagar qualquer extravagância. Apressou tanto o guri que ele finalmente se foi com ar tristonho e totalmente jururu. Início de sua coleção de decepções.

Fiquei pensativa olhando a TV e achei o caixilho que envolvia o visor dela feio pra dedéu, um horror e não ho, ho, ho! Baixou o astral geral.

Quando fico muito pensativa fico puta da vida.

Estranha essa sensação que comecei a sentir ao perceber que não estava olhando apenas as molduras dos quadros e das TVs, mas sim a tosca moldura da sociedade.
Desculpe Mestre. Destruímos sua obra.

Que risinho de hiena tem o papai Noel. Ta rindo de quê, se quando acabar o natal não vai ter nem o que comer? Ho, ho, ho é seu avô!

Desculpe companheiro, foi sem intenção. Meu saco ta mais cheio que o seu e não é de mensalão.

ILUSTRAÇÃO/ SILVIA FILLIPO

Publicado por Rosa Pena em 04/12/2005 às 00h16
 
02/12/2005 00h09
Meus seios
Rosa Pena


Pronta para sair, minha filha diz:
— Mãe, seus peitinhos estão meio caidinhos.
Puta da vida e com pressa, aviso que não tenho como colocar sutiã.
Vão aparecer as alças, e o sem alça vai aparecer na cava.
Ela insiste e me deixa insegura.
Então, aceito a sugestão de uma menina de vinte anos com tudo em cima.
Ela coloca o tal L'Bra, um sustentador de seio transparente à base de cola.
Um band-aid dos peitos em declínio, mas de peitinhos tipo trinta e seis. Ponho a porra e vou.
A cada freada o band-aid bandido descola.
Um peito no céu... o outro no inferno.
A cola coça. Vou ao banheiro do shopping.
Não sai. Piora.
Ferrada e suada, desisto.
Fico com um par de seios estranho, sinto falta dos meus originais.
Viva meus peitos vividos...
livres,
leves,
soltos.

2003

PreTextos

Publicado por Rosa Pena em 02/12/2005 às 00h09
 
30/11/2005 17h10
Franco atirador
Rosa Pena



Não. Não é o Vietnã. Não! Não é aquele filme com De Niro.
Nem são os comunistas os culpados, como sempre foram apontados, de todos os conflitos do mundo.
Só sei que é guerra, que o fogo é cruzado, que o campo é minado.
Que não mais consigo lhe ver sofrer de braços cruzados.
É! Eu sei que a gente cria o filho pro mundo e que ele é uma selva, mas também sei que eu tinha o direito de sonhar com um mundo melhor do que o meu. Não fui "hiponga" por modismo, nem para ser descolada.
Eu acreditei em paz e amor!

Como lhe digo agora que tudo que preguei era mentira e que você encararia uma barra muito maior que a minha?
Como fico agora ao lhe ver chorar por ser decente, se isso virou passaporte para a solidão?
Aonde arrumo palavras para argumentar que vale a pena ser digna, nem que seja por si própria?

Enfim, minha menina linda, não lhe criei para ostentar um troféu de mãe perfeita. Apenas achei que havia de chegar à era de Aquarius e com ela mudanças saudáveis. Considerei que no mundo não caberia mais maldade.

Loucas esperanças de uma idealista. Não imaginava que você fosse encontrar francos-atiradores pela frente, daqueles que abatem as fêmeas apenas para contabilizar e contar pros amigos idiotas.

Pensei que esse papo era antigo e encardido. Démodé. Que sexo, sexo e sexo, apenas pelo sexo, ficasse sem nexo. Que a droga virasse uma droga e que o afeto seria a palavra de ordem. Imagine se foi com John Lennon? Todos os humanos de mãos dadas num planeta-jardim foi total demência minha?

O pior mesmo é que os atiradores atiram em si próprio. Viram homens-bombas de seus destinos, mortos-vivos pela existência afora, envelhecidos nos seus deboches, em suas mentiras, em seus despropósitos. Pena que não sejam apenas francos de franqueza e não de falsa malandragem. Eternamente seremos uma sociedade suicida.

Não sei. Realmente não sei como lhe digo:
- Prossiga, pois eles são morte e você é vida.

Publicado por Rosa Pena em 30/11/2005 às 17h10
 
22/11/2005 20h50
Tintim
Rosa Pena


— Você tem medo de morrer?
Ela foi taxativa, direta, sem papas na língua, como é sua marca registrada.
Eu disse que tinha medo porque ainda tinha muita coisa a ser feita.
Perguntou-me o que queria tanto.
— Minha filha, quero vê-la formada. Meu livro, quero vê-lo publicado.
Respondeu com tranqüilidade que isto seria executado independente de minha presença. O que eu já havia plantado ficaria.
— A morte é uma continuidade da vida — falou como se já houvesse experimentado esta travessia.
Havia um tom de certeza em sua voz.
Tentei arrumar argumentos que justificassem o meu medo da morte. Calei-me e fui refletir.
Estranhamente esta conversa aliviou-me o coração.
Tenho medo dela?
Não, não é medo do desconhecido, é medo de perder o conhecido.
Então, Rosa, pare de achar a vida, tua velha amiga, uma chata. Assuma que gosta dela, apesar da violência, do desmatamento, da falta de grana, da insônia, da injustiça, de Pinochet, de Idi Amin Dada, do Beira Mar, dos Expeditos das novelas globais, da chicória, de idiotas vestidos de sábios, de egoístas com capas de generosos.
Tem tudo isso, mas tem Jobim, lua, mar, churrasco, couvert do Fratelli, filosofia de boteco, amores impossíveis, golfinhos, Manuéis Bandeiras, memórias da Marlene Dietrich, tesão pelo Al Pacino, calcinha da Victoria Secret, Estudantina, lirismos despudorados do Nelson Rodrigues, pão quentinho com ovo frito.
Realmente tenho minhas dúvidas se quero viver só para ver a formatura de minha filha e o meu livro virar mania nacional.
Acho que quero a vida pela vida, mesmo que depois reclame que ela foi malvivida.
— Garçom! Um chope estupidamente gelado e um ovo rosa com muito sal.
Tintim à vida.
Começaria tudo outra vez, mas certamente teria virado a mesa no momento certo.

2002
livro/ PreTextos

foto/rosapena & Al Pacino/ by silsabóia

Publicado por Rosa Pena em 22/11/2005 às 20h50



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