..."Ter um sonho todo azulllllllllll"
Rosa Pena
Às vezes sou chegada a um drama, mas desta vez busquei a razão e não desisti da viagem de férias. Coloquei na mochila biquínis, cangas, estresse, óleo de bronzear deprê. Deixei em casa minha filha bem triste e meu coração despedaçado por vê-la assim. Não tinha como coibir o amor pivete que roubou o sorriso do rosto dela num sinal da vida. Não, não, mil vezes não! Não quero ganhar o Oscar de mãe da Julieta que proíbe uma paixão, ainda que esse Romeu off price mereça um chute do Romário bem no meio da bunda. Tentei ficar neutra, mas diariamente o chamava de canalha.
Será que eu estava ajudando minha filha a se resolver?
Entrei no avião com muito mais medo do que já é comum em mim, pois sabia da importância dela não sofrer mais perdas. Eu não sei como é que alguém pode gostar de praticar asa-delta. Alfa Maria! Pé em deus e fé na tábua.
Desci em Recife com excesso de peso na bagagem. Mais dez quilos de estafa. Peguei o ônibus que me levaria até Porto de Galinhas com um sorriso forçado. Entrei na pousada com cara de decolagem. Era final da tarde, porém o sol teimoso se misturava com a lua, medindo força no espelho oceânico. Fiquei muda de encanto e corri pela areia. Mergulhei cantando Tim Maia..."Ter um sonho todo azulllllllllll".
Dormi essa primeira noite com culpa. Como uma mãe pode ser feliz enquanto sua cria, ainda que totalmente criada, chora? Acordei muito cedo tamanha a intensidade da luz e corri direto para a praia. O mar sempre foi meu cúmplice. Ele sabe que não me basta vez por outra tirar a cabeça da lama hipócrita e inspirar alguns poucos goles de verdade. Não sei ser feliz de brincadeirinha, fazer de conta que estou bem, portanto me entreguei sem juízo à magia do lugar.
Vi o pequeno velho andando ao sol com muitas esculturas de madeira nas costas. Mostrei curiosidade e ele se aproximou. Parou ao meu lado e colocou-as na areia. Esculpiu no lenho algo que nunca viu de perto ou conhece bem. Bailarinas em passos de danças.
Belíssimo "demipliê" imaginado.
Perguntou se era minha primeira vez no litoral, tamanho meu contentamento. Respondi que a vida inteira estive nele e jamais me imaginei morando longe do mar.
— Entre prédios? O escultor sorriu e disse imediatamente que ele não conseguia se imaginar morando num primeiro andar. Dei uma risada. Ele respondeu a minha não pergunta.
—O homem da cidade não pisa na terra. Voa do apartamento para o elevador, deste para o carro, depois para outro elevador e olha de cima aqueles que caminham no solo. Uma vez por ano pisa no chão e chama de férias. Nelas busca forças para passar outro ano flutuando nas contas, nos lucros, para novamente poder pisar no plano.
Percebi que ele era um menino sem rugas de estresse, apenas sinais da idade. Ali a velha era eu, com marcas de civilidade na expressão. Não existe botox que preencha os malditos sulcos urbanos. Comprei uma escultura e pedi que assinasse. Ele perguntou para que colocar seu nome e respondi que todo autor assina sua obra.
— O criador não assinou, deixou a beleza para quem tem alma pra ver.
Insisti que assinasse para registrar o nosso momento memorável.
Naquela noite liguei para minha filha e percebi que agora, com meus pés no chão, eu poderia efetivamente ajudá-la a “ver na vida algum motivo pra sonhar, ter um sonho todo azul, azul da cor do mar!”
Ela sentiu que algo tinha evoluído entre nós, que a lua era nova, a maré começava a mudar. Nos despedimos rindo, não de mentirinha, mas com a certeza que o sol ilumina em qualquer lugar, pois ele nasce dentro da gente e se põe a cada nosso desencanto!
A escultura da energia tem autoria: Elias.
Deus realmente é brasileiro e salvo algum engano ele é pernambucano.