Viva a poesia!
Rosa Pena
para Pedro Cardoso
Oito da manhã, segunda-feira, início de mais uma semana. Acordo preguiçosa e a ginástica foi pra cucuia. Na secretária eletrônica um aviso de minha empregada: Não vou, pois minha tia morreu. Sem preconceito, apenas a constatação de que domésticas têm muitos parentes e eles sempre morrem aos domingos. Existe uma pia com louça, almoço para fazer e um micro. Poesia com blues sempre foi um bom prato.
Abro e leio sem pensar em algo específico, mas de repente entra em minha caixa e em minha mente, uma missiva. Close! Câmera lenta e volto à carta que ele enviou para alguma flor de seu caminho.
Idealizo um rosto contente no remetente, um jeans informal. Está ali, diante de mim, não apenas consoantes e vogais, mas carne, osso e alma. Alguém que não conta detalhes íntimos de sua vida, mas pequenas porções das coisas de seu dia-a-dia. Sem tentar impressionar com um corpo sarado, um dragão tatuado, sem gritos de vitória, sem pejos de angústia. Apenas, como eu, uma parte deste todo, um rapaz latino-americano que nem sei se tem dinheiro no bolso, mas isso pouco importa ao sentimentalismo do momento.
Volto bastante na fita e penso nos índios pelados de alma. Somos da mesma tribo! Ele é o Peri e eu viro a Ceci. Volto mais e mais até chegar aos animais. Somos mamíferos. Farejo-o entre letras. É alguém interessante demais. Lastimável que não tenhamos conservado o instinto de caça como predadores de carinho. Não será por isso que o amor está em extinção?
Civilizada, que vive entre tropas de elite, o que me resta é tentar fazer uma boa macarronada. A louça a máquina lava. A alma ficará eternamente de molho, esperando alvejantes que dêem brilhos diferentes às minhas segundas, terças, quartas...
Difícil explicar para o leitor desavisado esse comungar de dois poetas por alguns instantes e querer que o depois seja exatamente igual ao que sempre foi.
Um almoço familiar no fim de semana.