O que é saudade?
Rosa Pena
"Eu vi o menino correndo.
Eu vi o tempo
Brincando ao redor do caminho daquele menino”
Força Estranha/ Caetano Veloso
Há sempre aqueles presentes de última hora, não por esquecimento, mas por dúvida ou falta de tempo. As chuvas desse final de ano atrapalharam. Sábado fui comprá-los, assim como algo mais para enfeitar a mesa já tão enfeitada.
Com as compras feitas, resolvi me sentar um pouco no banco da praça para depois encarar o trânsito alucinado.
Lá estavam alguns garotos, mas o que me chamou atenção, foi um quase adolescente sorridente que tentava com o dedo do pé, fazer o desenho de uma casa na terra úmida. Percebi que ele queria puxar conversa, então eu me antecipei e perguntei o nome dele.
—Pode me chamar de Miúdo, é assim que todos me chamam, pois falam que eu esqueci de crescer.
—Você mora onde?
—Ali, apontou de modo vago.
Entendi que aquele ali poderia ser aqui, ou lá. Um menino de rua.
Ele me perguntou de repente.
—Por que enfeitam tanto a cidade nesta época?
— Para que todos sintam o clima natalino.
—O que você sente?
—Sinto que é um momento de alegria, comemoração, mas também sinto saudades de minha infância, de meu tempo de escola, das pessoas que não estão mais entre nós ou das pessoas que por um motivo ou outro simplesmente sumiram. E você?
—Não sinto muito estas coisas, faço amigos a cada dia, depois não mais os vejo. Minha mãe morreu, ficou doente e nós a levamos para o hospital, mas lá não tinha nenhuma vaga, então ela morreu na calçada. Meu pai logo depois se casou de novo e não me quis mais. Lembro só de mamãe, um pouco antes de morrer, me avisar para eu seguir sem matar ou morrer na calçada. Não sei direito o que é isso que vocês chamam de saudades. Só sei do que espero para frente.
Aquilo mexeu comigo. Lamentamos pelo que tivemos, talvez até em excesso. Procurei nas sacolas algo para oferecer para ele. Um CD de jazz importado de nada adiantaria, carrinho à pilha também não. Achei um livro com desenhos, mais um para meu sobrinho-neto. Eu dei para ele, como se isso colocasse um Omo total na minha alma.
Miúdo ficou radiante, rasgou o papel ali mesmo, me deu um abraço e já pronto para partir parou, tirou uma laranja do bolso e me deu.
—Só tenho isso para lhe dar, mas pode pegar, não roubei, ganhei ainda agora de um senhor em frente ao supermercado.
Voltei para casa com aquela laranja, que me parecia um troféu de bom comportamento. Não queria chupá-la. Mas o que eu faria com ela? Em poucos dias estaria estragada.
Meu pensamento voltou para aquele guri que não aprendeu e nem aprenderá a sentir saudades da infância, da juventude.
Descasque-a, coma e plante a semente, diria o outro menino que está para renascer.
Acho que Ele gostaria que fosse assim. Descascar o que vier pela frente, saborear os momentos de prazer e plantar um futuro onde os miúdos tenham mais que uma calçada.
Tenham motivos para aprender o que é saudade.