Putisgrila
Rosa Pena
Ela lhe disse no MSN que não insistisse para ficarem juntos. Tinha sido apenas troca de charme por e-mail. Que fosse procurar sua turma, pois ela tinha idade para ser sua mãe.
— Meu filho Bruno tem vinte e dois anos. Você, meu lindo Paulo, vinte e um!
No entanto, ele não desistia. Todo santo dia ela abria a caixa do Outlook e lá estava ele com uma flor, um coração flechado, dizendo que a amava loucamente, que ela tinha encantado ele de propósito, agora não podia fugir sem mais nem menos.
Dono de um senso de humor invejável para quem tem barba há tão pouco tempo. Vinte aninhos? É a fase em que se considera a vida uma grande merda, aos trinta uma média merda, quarenta nem tão merda, cinqüenta aproveita essa merda bem rápido, sessenta: Prefiro uma merda conhecida a uma desconhecida.
Será que Bruninho é um imbecil? Vive inconstante, reclama de tudo, detesta conversar, rir, viver. Já acorda com cara de bunda assada. Haja Hipogloss de paciência maternal.
Fazia-lhe bem a alma a alegria escandalosa desse menino. Só não sabia se ela seria danosa a ele. Menopausa torturante, bagagem coberta de celulites da saudade! Resolveu desiludi-lo aos pouquinhos, de forma bem amena, entre bate- papos mostrar visões diferentes de vida.Ela vivida, ele por viver. Nunca tinha entrado em detalhes miúdos para não parecer entrevista da revista Capricho.
—Rubro-negro. Ela estranhou que ele não gritasse mengão!
Depois falou sobre filmes.
—A Dama de Vermelho. Ela pensou ligeiro. Ele viu em DVD, quem sabe no Telecine. Bruno nem ouviu falar, que dirá citar.
—Livro?
Não resistiu, porém, aos beijinhos entre conversas, desistiu do interrogatório e se deixou levar. Afinal, o gatinho era uma graça. Mandou bala e declarou:
—Te adoro paca!
— Putisgrila!Até que enfim.
Fizeram mais algumas juras e ela desligou de alma lavada. Não havia seduzido um quase de menor. Faz tempo pra dedéu que ninguém da geração Bruninho & Cia fala putisgrila!
Pasquim
Em junho de 1969 chega às bancas o primeiro número do jornal Pasquim, depois de seis meses de silêncio total na imprensa, devido ao tenebroso Ato Institucional número 5, decretado em 13 de dezembro de 1968.
O Pasquim vem na tentativa de manter a chama da democracia acesa.
Composto por uma equipe de notáveis, Tarso de Castro, Ivan Lessa, Sérgio Cabral, Fortuna, Millôr Fernandes, Jaguar, Sérgio Augusto, Ziraldo, Claudius, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha Alencar, e um jovem mineiro batizado de Henfil por Roberto Drummond.
Jornaleco como era visto pelas autoridades da época, o Pasquim com seu humor debochado, cortante e feroz, alerta “na gozação” o que está acontecendo ao Brasil. Consegue entrevistas coletivas com as mais diversas personalidades, Vinicius de Moraes, Darcy Ribeiro que falam da arbitrariedade reinante e malandramente para driblar a censura, a equipe entremeia com pronunciamentos light, como as pérolas impagáveis de Sued: "Acho Proust um chato"; "A vida sem o supérfluo não vale nada, por isso detesto a União Soviética, onde residi por quase duas semanas".
Um amontoado de besteiras era a visão dos ditadores sobre o jornal, permitindo que este ficasse em circulação durante os anos obscuros. Até descobrirem os reais objetivos engoliram muitos sapos.
Libera os palavrões escritos, que depois passam a orais, sem falsos pudores e criam palavras.
*Pô, putisgrila, paca, dedéu entre outros, viram gírias nacionais desta época e que seguem pelos anos oitenta. Morrem na década de noventa, onde puta que pariu vira vírgula.
Henfil criou personagens famosos, como Cabôco Mamado, Graúna, Baixinho e Cumprido.
Uma das últimas tiras do fabuloso Henfil:
Cumprido discursa: "Meu papel histórico é estancar o pus dos sofredores, absorver o sangue dos injustiçados”.Baixinho vira-lhe as costas, rebatendo: "Isto não é um papel histórico, isto é um Modess”
O Pasquim abriu espaço para o escracho atual. Casseta e Planeta, Os Normais têm o cheiro da saudade do fabuloso jornaleco.
Dados retirados do livro de Dênis de Moraes/ O rebelde do traço: a vida de Henfil (Editora José Olympio, 1996).
A dama de vermelho. The woman in red - EUA, 1984
trilha sonora/ I just call to say i love you