Ahã Ahã...Estou velha!
Rosa Pena
Estou velha, irreversivelmente madura demais. Odeio rúcula. Não estou amarga nem estou nostálgica. Estou um pouco estranha no mundo atual, por estar de saco cheio de bundas, seios siliconizados, barriguinha sarada, bíceps bem definidos, Izas, Ludmilas, lentes de olhos azuis, bocão, selfie com biquinho. Sinto vontade de meditar o que o ego de uma pessoa ganha quando ela mesma se engana.
Estou velha, irreversivelmente madura demais. Odeio barra de cereal. Bateram saudades furiosas do tempo em que se lia à vera Dom Casmurro para aprender a escrever e fazer prova na escola, dançava-se ao som do Ray Conniff, namorava-se um estudante sem página no Face, tinha-se filhos e filhas que brincavam de bonecas e bolas , sem o maldito celular. Agora são todos fantoches articulados de plástico com bundas de aço que tiram zero no Enem.
Estou velha, irreversivelmente madura demais. Odeio tomates secos. Essa galera que faz monólogo com Narciso sobre o quão grandioso é seu visual me dá nojo. Eu gostava por demais de conversar e escrever com conteúdo e agora o papo é sobre embalagem, quem é o papel totalmente em branco, porém brilhoso e coberto de purpurinas, quem tem menos neurônios e que vive no mundo sem procurar respostas, pois não está nem aí pras perguntas. Acho que realmente esse provérbio está correto: "Dos ignorantes é o reino dos céus"
Mas saibam que não virei falsa moralista. Continuo gostando de Nelson Rodrigues, anjo pornográfico que sabe escrever muitíssimo bem, de Woody Allen, de Beatles, de homens com barbas e bigodes, de decotes profundos que insinuam meus seios pêras de mulher madura, de dançar bem apertadinho, de ouvir e contar piadas picantes na hora delas, de chorar com alguém pelo mundo que já era.
Só não sei onde encontro outras pessoas velhas e irreversivelmente maduras demais que me olhem nos olhos sem se preocuparem com as rugas que tenho nos cantos deles. Alguém que ainda aprecia alface, tomates frescos tirados da horta e suco de laranja. Alguém que sempre procure muitas respostas, inclusive a do porque o ser humano precisa se imolar na juventude e se plastificar na idade avançada para fingir o que não é, ou então enganar que ainda não viveu, logo não envelheceu irreversivelmente como eu.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 06/01/2021
Alterado em 07/01/2021