Quem é Rei nunca perde a majestade
Rosa Pena
para meu amigo Reynaldo Vieira Motta.
Estou puta contigo. Se não podia ficar, por que veio?
Chegou assim de repente, com o pretexto de ter adorado o Pretextos. Veio com a Billie, o vinho, o riso, a cerveja mais gelada, a picanha mais macia, o porre sem hora. Veio com histórias que me renderam outras, como a de que não existe ex-amor, mas sim amor que se viveu! Que família grande é uma suruba mental onde é foda em cima de foda e depois todo mundo ceia junto no Natal! Que amor é malhação e ódio é sedentarismo! Você e os filmes do Woody, aliás, vocês sempre foram parecidos, na ironia com astenia, no romantismo com quimioterapia, até na troca da Diane Keaton: — Pisaram no tomate!
Quanta conversa fiada, quando dizia que não se corre para não assustar o tempo. Você correu!
Estou muito puta contigo. Se não podia ficar, por que veio?
Ah! Era para eu acreditar que flores brotam quando regadas a uísque? Que, com humor, o pé sujo da esquina fica superior à Broadway? Que o verdadeiro sanduíche Bauru nasceu na sua cobertura do Grajaú? Que tsunami não é calamidade, a humanidade sim, é a detentora do troféu.
Estou mais do que puta contigo! Partiu com a desdita.
Vê se pelo menos carrega a bateria de seu celular em alguma estrela e liga daí! São Jorge dá área de cobertura em noite de lua cheia. Aproveita e bota a Billie na linha. Talvez, assim, eu até consiga te desculpar por essa viuvez imposta ao lado esquerdo do meu peito. Mas no fundo eu sabia que você partiria de fininho como chegou. Sem dramas no final da linha. Maldito cerol hepático que cortou a sua pipa.
Não vou chorar, não e não! Você sempre preferiu quatro casamentos a um funeral. E antes que algum arcanjo me dedure eu aviso: bendigo cada dia que estivemos juntos para sabermos com perfeição o que Vinicius dizia no soneto do Amigo... "Enfim, depois de tanto erro passado. Tantas retaliações, tanto perigo. Eis que ressurge noutro o velho amigo".
Agora chegou a vez da rainha Holiday. Vai fundo, meu rei.
setembro de 2007