Filho do Peto 

                         Rosa Pena



Não estava em busca de um caso. A primeira vez que rolou um oi entre eles ela foi cerimoniosa, diferente do que é normalmente, baixou-lhe uma imensa timidez, talvez pela sensação de risco que a gente tem na entrada da montanha russa, a excitação fica encoberta pelo medão que dá. Havia sido apresentada a ele por um amigo em comum, que o referendou como alguém sensível. Ficou encantada imediatamente. Procurou-o na semana seguinte para pedir uma ajuda, mais ou menos necessária, mas que se fez muitíssimo pelo desejo de conhecê-lo melhor.

 Ele foi destemido e disse que só faria o bendito, hoje é chamado de maldito favor, em troca de um sorriso dela. Ele viu seus dentes todos, de ponta a ponta na hora. Estava aberto o sinal. Imaginou-o de carne e osso, igualzinho a ela. Sensíveis não são feitos de jacarandá ou pinho. Armário tem alma? Ele, com sua cara envernizada, começou a entrar na melhor parte do cotidiano de uma mulher (uma? duas, três, mais de dez delas), o emocional, que com a convivência integral vira máquina de lavar sonhos, impedindo-os de fluir; centrífuga, seca as ilusões.
 
Devagar, paquerador casual, pois sabia que assim seria bem mais envolvente; suspenses são infalíveis! Aos poucos foi pedindo um pouquinho mais, pequenas lustradas na face, a coitada tinha jeito de Poliflor.

Brilho perfeito com muito amor!

-Um beijo, vai, dá! Deu um beijinho, dois, mil. Ele os multiplicava pela dúzia das carentes de devaneios. Os corações vazios de fantasias agradeciam; os olhos de Caatinga precisavam urgentemente regar as rosas que teimam em existir nos que ainda acreditam em ternura. Elas começaram a rebrotar com pressa. Urgência de florir! Rosas parecem de cultivo complicado, mas basta ter um coração mediano para fazê-las viçosas.
 
Foi um choque quando descobriu que ele era o filho do Gepeto. Madeira não sabe amar, no máximo vira caixão. E sequer era uma de lei, tava mais pra aglomerado cheio de cupim da hipocrisia.Bela porcaria que desmonta num bater de porta! Não conseguiu mudar a história, nem ela, nem as mil que caíram no ardil do pré-fabricado. Sobrou-lhe um grilo, tão falante quanto o da história infantil, aquele que era amigo do filho do Peto, que insiste em chamá-la de imbecil todas as noites. 

Onde já se viu morrer de paixão por um boneco narigudo? Na tentativa de superar o verdinho tagarela, dedica-se atualmente a uma ONG protetora das baleias, com a intenção de não permitir que se façam fogueiras no estômago das coitadas. Engoliu, ta engolido! Ela engoliu sapos e não teve expulsão. Justiça para todos!

Abaixo a balela! Viva a baleia.

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 31/10/2005
Alterado em 23/10/2008
Copyright © 2005. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.





Site do Escritor criado por Recanto das Letras
art by kate weiss design