sem agenda sem legenda
Rosa Pena

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Férias em Mauá. O passarinho vinha na minha janela todos os dias e comia os farelos dos biscoitos que eu displicentemente deixava por ali. Adorava o jeitinho dele de ciscar e ficava encantada com seu canto.
Para que voltasse sempre comprei ração. Veio só mais uma vez, provou e voou pra bem longe. Ditadura de canto perde o encanto.
Férias em Búzios. O menino- homem freqüentava a mesma praia que eu. Todos os dias pedia que eu tomasse conta de sua prancha quando ia dar uma caminhada. Depois entrava no mar, mas quem surfava era eu, nas ondas do seu olhar.
Um dia me antecipei e peguei a prancha assim que ele chegou. Tomou um susto igual ao passarinho. A partir dali virei salva- vidas em mar calmo. Entrei na faixa de segurança, coloquei maresia no peixe, perdi a onda.
Férias em Canoa Quebrada. Acordava cedinho e ia correr pela praia. O pescador diariamente parado lá com a cor e o olhar de jabuticabas maduras, prontinhas para serem saboreadas. Sempre quieto com um sorriso maroto. Um dia acordei e dei de cara com ele na porta da minha Pousada. Avisou que estava me esperando. Pra quê? Cadê o inesperado? Virei eu, desta vez, passarinho que voa longe, levei a prancha da sedução pra outros mares.
Ah! Não estou maluca não. Eu estou falando de amor simples, de amor que vai ou fica, amor fantasia, amor sem obrigatoriedade de "felizes para sempre". Sem agenda e sem legenda. Estou falando de amor dúvida, jamais certeza. Aquela coisinha gostosa de sentir, aquela aventura parecida com matar aula e ir ao cinema, que nem arco - íris na janela do escritório, que nem vento que leva o relatório seríssimo do chefe. Amor que se realiza num sorriso, num arrepio, num banho onde ele vira o sabonete, onde o protagonista é o prazer de imaginar como seria ou será. Não é reprimido, pois não corre o risco de aposta no definitivo. Amor moleque, que não cresce com o Calcigenol das certezas. Sem experiência, sem combinar com antecedência, sem viuvez. É só amor da vez, não menos amor por não ser de vez, até porque nada impede que ele seja infinito. Esse amor danado de bom, se vingar um bocadinho é passarinho cantando, é surfe no meio do expediente, é jabuticaba docinha! Se não vingar vira um lugar Chamado Notting Hill na memória. Dá sempre uma linda história onde a gente conta somente as glórias e desmente a saudade que o coração sente.



(2006) 
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 10/01/2017
Alterado em 10/01/2017
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