360°Rosa Pena
Tentei quase que a vida inteira não dar asas à dor, sempre fui alto astral e jamais deixei que a amargura, o desgosto, à incerteza fizessem ninho em meu coração. Que buscassem aqueles que amam fazer pactos com a desesperança, angústia, que apreciam a imobilidade, a inércia, a amargura.
Tive duas depressões relativamente sérias em decorrência de perdas que não conseguia aceitar. Fiz tratamento e aprendi que deveria procurar sempre sorrir para merecer o calor do sol, o brilho da lua, o chão fértil de minha terra. Mas com a idade comecei a perceber que essa minha energia incomodava e o meu excesso de amor pelos que me cercam aborrecia. Percebi que era uma chata por querer ser feliz. Deveria calar a voz, amarrar meus dedos, castrar toda a poesia que ainda teimava em morar em mim.
Comecei já há alguns tempo a desmoronar secretamente, mas continuei lutando pelo riso, pelo escracho, por achar que nada é impossível quando se tem saúde. Virei uma pentelha de galocha. Então pedi aos astros que me regem que modificassem a rota em que eu estava. Uma mudança de 360 graus para tristeza não tem fim, felicidade sim.
Feito isso, atualmente eu posso brincar que sou outra, não a insuportável que ama estrelas, que ri do nada. Posso até inventar que continuo viva. Assim, livres de mim, eles viverão infelizes para sempre.