360°
Rosa Pena
 

Tentei quase que a vida inteira não dar asas à dor, sempre fui alto astral e jamais deixei que a amargura, o desgosto, à incerteza fizessem ninho em meu coração. Que buscassem aqueles que amam fazer pactos com a desesperança, angústia, que apreciam a imobilidade, a inércia, a amargura.

Tive duas depressões relativamente sérias em decorrência de perdas que não conseguia aceitar. Fiz tratamento e aprendi que deveria procurar sempre sorrir para merecer o calor do sol, o brilho da lua, o chão fértil de minha terra. Mas com a idade comecei a perceber que essa minha energia incomodava e o meu excesso de amor pelos que me cercam aborrecia. Percebi que era uma chata por querer ser feliz. Deveria calar a voz, amarrar meus dedos, castrar toda a poesia que ainda teimava em morar em mim.

Comecei já há alguns tempo a desmoronar secretamente, mas continuei lutando pelo riso, pelo escracho, por achar que nada é impossível quando se tem saúde. Virei uma pentelha de galocha. Então pedi aos astros que me regem que modificassem a rota em que eu estava. Uma mudança de 360 graus para tristeza não tem fim, felicidade sim.

Feito isso, atualmente eu posso brincar que sou outra, não a insuportável que ama estrelas, que ri do nada. Posso até inventar que continuo viva. Assim, livres de mim, eles viverão infelizes para sempre.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 12/07/2015
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