Espelho... espelho meu!
Rosa Pena
Ando reparando nos cobradores. Não os de ônibus, não os de dívidas materiais, mas sim os cobradores de emoção. Aqueles que vivem se colocando como vítimas da desatenção de seus semelhantes.
— Não me ligou mais por quê? (tinha que ligar por quê?)
— Só saberá notícias minhas pelo obituário (é notoriedade para receber nota no jornal?)
— Ninguém me lê (e você lê alguém?)
— Não fala mais com pobre? (com pobre falo, com babaca complica)
— Até que enfim. Quem é vivo sempre aparece (finja que estou morta)
— Pensei em você ainda agora (jura bastante que eu acredito)
— Virou celebridade? (vou pra Ilha de Caras, sabia não?)
— Sou apenas um pobre diabo! (coitado do diabo)
— Quando ouvi Djavan, lembrei-me de você. (lembrou? Você deságua em mim e eu oceano? Ou você é oceano?)
— Preciso de dois minutinhos seus. (já passou um)
Abordagens sintomáticas essas.
Os cobradores emocionais adoram se passar por coitados. Suas gripes são infinitamente maiores que as nossas, seus tombos muito mais doídos, suas feridas merecem ataduras hospitalares.
As nossas? Basta um band-aid.
Quem gosta de sorrir agüenta bem o tranco!!!
Brincadeira à parte, ando revendo meus conceitos e tentando descobrir a diferença entre carência e vaidade. Carência, a palavra dos anos 2000. Que nem virose. Ninguém está com diarréia porque comeu empanado estragado. Está com virose.
Percebo disputa de carências.
— Estou mais triste que você, viu???
E o mais carente vira notícia.
O mundo deve girar exatamente no compasso deles, carentes. Quando não estão bem no centro da roda, quando não são os donos absolutos da festa, costumam achar que o mundo fez complô ou boicote contra eles. Uma traição em cada esquina! E costumam dizer que não estavam preparados para o golpe (que golpe?).
— Bem, agora que a prima do tio da minha amiga está doente e eu aqui vulnerável, a Malu Mader me dá essa indireta na novela.
São estes cobradores que costumo classificar como “espelho, espelho meu”.
— Existe alguém mais belo do que eu?
Narciso não pode responder no momento. Ele está fazendo análise Jungiana, para resolver problemas pendentes de mil anos. Carência materna talvez.
“Não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio
o que não é espelho
e a mente apavora.”
Sampa, Caetano Veloso
livro PreTEXTOS