O EXPRESSO DO MEIO-DIA
Rosa Pena
Voltei para rever a Europa depois de vinte anos. A primeira vez que fui foi na década de oitenta e fiquei bastante tempo por lá, pois Tuninho meu marido, estava a trabalho em Paris e eu rodei por outras cidades. Vivi experiências fascinantes e jurei que não morreria sem rever ou conhecer alguns lugares que considero primordiais em meus sonhos em relação ao velho mundo. Lógico que adorei, porém tive olhos mais maduros para ver o belo e o feio.
Depois de Veneza parti para Roma e como dizem que quem vai tem que ver o papa, eu fui toda empolgada pra ver o Michelangelo e não o Bento XVI, pois ele estava por aqui, mas conheci o Vaticano e foi lá que vivi uma das piores experiências de minha vida pela impotência da situação. Lembrei-me do filme "O Expresso da Meia-Noite".
Compramos os bilhetes do metrô no qual estavam escritos que possuíam validade de setenta e cinco minutos para serem reutilizados sem custo adicional. Guardamos, apesar deu considerar que gastaria horas para conhecer o local, só a capela Sistina levaria mais que esse tempo. Dei azar ao guardar.
Tão logo cheguei à Praça de São Pedro vi uma fila imensa e com fome falei pro meu marido que fôssemos almoçar em algum lugar e voltássemos mais tarde. Lembramos dos bilhetes e resolvemos comer num lugar diferente e depois voltaríamos. Havíamos usado apenas quarenta minutos do tempo permitido.
Entramos na estação e passamos com os bilhetes na mão por uma porta aberta. Deduzimos que seria por ali. Descemos as escadas e nos deparamos com dois sujeitos à paisana que solicitaram nossos bilhetes. Entregamos. Um deles olhou, guardou no bolso e exigiu nossos passaportes. Apresentamos imediatamente, pois sabemos que em terras estrangeiras esse é nosso documento oficial. Ele analisou e segurou firme em suas mãos. Avisou-nos que estávamos sendo multados em duzentos euros por tentarmos usar um coletivo pago de forma ilegal. Tentamos explicar a validade de nossas passagens, mas a partir daquele momento o sujeito não entendia mais nosso precário italiano, nosso médio espanhol, nosso bom inglês, nosso perfeito português.
Para nos colocar em pânico sentenciou que nossos passaportes estavam detidos. Avisei-lhe que não possuíamos essa quantia em mãos, então ele negociou o valor da multa, baixou para cem euros. Insisti que nada tínhamos feito de errado e queríamos rever nossos bilhetes. Ele novamente parou de nos entender, e quanto mais eu falava, mais ele andava para a parte deserta do subsolo. Vendo que estávamos numa sinuca e imaginando o que mais poderia nos acontecer comecei a falar alto e subitamente chorei forte. Tuninho preocupadíssimo comigo, pois sabe que não gasto lágrimas por pouco, tentava me dizer com os olhos, que pagássemos logo, mas eu teimosamente ensurdeci em nome da justiça e comecei a andar para perto da escada que nos levaria à superfície.
Quando eu já estava à beira dela o sujeito mandou que eu parasse, então avisei que meu coração estava vacilando que eu poderia morrer ali, na terra mais católica do mundo.Agarrei a mão do meu marido e subimos correndo para onde tinha um monte de gente. O covarde subiu atrás de nós. Eu continuei a chorar forte e fui me aproximando dos seguranças do metrô que me indagaram o que se passava. Contei e o sujeitinho (que era conhecido dos guardinhas) disse que eu havia ficado naquele estado só por causa da multa que teria que aplicar por não termos passagens. Falei de meus bilhetes e novamente todos deixaram de entender minhas palavras estrangeiras!?! Então parti para artes cênicas. Resolvi ter um quiprocó teatral e exigi cuidados médicos com urgência.
- Uma ambulância! Médicos!
Um deles falou baixinho pro ordinário que devolvesse nossos documentos, pois aquela confusão acabaria dando uma grande merda para eles.
Tivemos nossos passaportes finalmente devolvidos com a condição deu parar com o xilique, mas as passagens não quiseram devolver de forma alguma.
Para atender aos pedidos de meu Tuninho, sai da estação sem minha prova real e tomamos um táxi de volta a Roma.
Escrevi hoje uma carta que vou enviar ao consulado brasileiro no Vaticano narrando esse fato. Se der em pizza, quero napolitana cortada à francesa.
Tenho lido tanto sobre turistas que sofrem o golpe do Vigário em terras brasileiras.
Ninguém jamais fala daqueles que sofremos fora dela. O meu golpe foi promovido para golpe do Cardeal, mais ainda, papal!
E tem gente que ainda chama nossa pátria de nanica, quando nem ainda acabamos de crescer direito. Somos adolescentes inseguros diante da terceira idade do planeta.
Sinto-me agora bem à vontade para chamar certas terras de gigantes que encolheram na pretensão de ensinar o que desaprenderam. Ética, moral e etc e tal. Um fato isolado? Alguns podem dizer e eu vou até concordar, mas quando é aqui, basta uma andorinha safada pra manchar todo o nosso verão e o turismo ficar com as calças na mão.
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá! A pizza que dá aqui é bem menor do que a de lá.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 25/05/2007
Alterado em 30/08/2008