Ele entrou em minha vida pela porta da minha carência.
Minha existência estava um caos. Meu coração parecia uma lata de lixo: garrafas vazias de ilusões, jornais velhos de esperanças, cacos de amores passados.
Achei que desta vez seria quase eterno. Meu estado de alma valeria uma nota no jornal: “Mulher tocada pela vertigem da paixão.”
Hoje, a manchete seria diferente...
Lembrei-me do programa Fantástico, que falava sobre manual de instrução para eletrodomésticos.
Outro dia, li o da minha máquina de lavar. Ela é fraca, sempre apresenta defeitos. Como o meu coração, esse também não é uma Brastemp.
Atentei que existem dois comandos: automático e manual. Peças pesadas, peças leves. Sempre usei o automático. Aperto um botão e sai funcionando sozinho. Muitas roupas já desbotaram, outras mancharam, algumas rasgaram. A maioria teve seu tempo de uso extremamente diminuído.
A pressa estragou-as.
Ah... as minhas relações com o amor são parecidíssimas. Sempre esqueço que existe o botão das peças delicadas. Com ele é permitido regular a lavagem. Ficam um pouquinho de molho, torcem devagar e não centrifugam para secagem rápida.
Então, percebo que o amor é pura seda.
Não deve sequer ser levado à máquina. Lava-se com a mão, bem devagarinho. Não se torce; usa-se um sabonete delicado; deixa-se secando ao tempo, sem pregadores, para não marcá-lo.
A opção manual dá mais trabalho, mas permite que se usufrua por muito mais tempo da beleza original.
Perdi há pouco uma lingerie linda. Rasgou.
O amor que entrou tão de repente, pela porta da frente, foi tratado como brim. Centrifugueidemais. Ficou cheio de marcas, esgarçado. Desbotou em semanas.
Ontem, rasgou-se definitivamente.
Saiu pela porta dos fundos, para a lixeira. Foi fazer companhia aos outros cacos que lá estão.
Estranhamente não chorei. Estou ficando acostumada.
“Je ne suis jamais seul avec ma solitude” George Moustaki
(Ele diz que nunca fica só, pois tem a solidão ao seu lado).