(imagem:Loretta Lux)
 
Sem Mestrado em Adeus
 
Rosa Pena
 
 

Conheci a Bia no ginasial. Eu nunca fui tímida, então logo na primeira semana de aula, já estava enturmadíssima. A lourinha branquela, cheia de sardas, sentadinha lá no final da sala, sempre quieta. A galera a achou antipática, eu achei que ela parecia mais um pintinho assustado. Apelidei-a de Bia pintinho naquela semana. O apelido pegou e ela demonstrou que gostou, pois, por causa dele, deu seu primeiro sorriso. A gente, quando está com onze anos, criando peitinho (disputa quem já tem, que nem menino disputa barba), fica logo morrendo de vontade de menstruar. É o máximo de maturidade, é passaporte para namorar e até dar conselhos pra quem ainda não é mocinha.

Eu sangrei cedo, portanto, me achava a grande mulher no meio das pirralhas, que não sabiam o que era estar “naqueles dias”. Não existia nem Modess direito, que dirá OB, logo, nada de praia, nada de vestido branco, nada de excessos, sequer lavar a cabeça, vai que o sangue sobe! (as mamães assim diziam). A gente não tinha como discordar, não existia informação, nenhum Dráuzio Varella no Fantástico (o cara sabe tudo)! “Plim-Plim!”
O fato é que fiquei muito amiga da pintinho por causa das regras. Um dia ela foi chamada ao quadro pelo professor de história e negou-se a levantar. Desconfiei o que era. Virou moça sem aviso.
O Derly, nosso mestre, insistiu e avisou-a que, se não fosse, ele ia zerá-la na matéria. Sentada estava, sentada ficou. O silêncio que se seguiu foi alarmante. 
Eu, sempre abelhuda, perguntei ao teacher sobre os déspotas esclarecidos, afinal ele havia falado deles na aula anterior. Ele sacou minha mensagem, rapidinho. Garoto esperto!
 
A partir daí, viramos amigas e o Derly virou amigão. Nunca foi tirano, aliás, era um pão, pão doce! Curti tesão nele de montão.
Eu sempre adorei história (com ele, mais ainda), pintinho detestava. Ela sempre adorou desenho, eu odiava. Minhas gravuras só eram entendidas com legenda! Passamos a nos ajudar nas matérias, ela era inteligentíssima, estudiosa e sabia quase tudo de tudo. Sempre me ensinando com carinho e eficiência. Também passamos a trocar confidências, figurinhas, beijos, lágrimas e juras. Amigas para sempre, pacto de sangue, menstrual que fosse.

Do ginasial, emendamos a escola normal e só não emendamos faculdade, pois ela era chegada a ciências exatas e eu sempre fui inexata! O afastamento começou a acontecer aí.
Muitas vezes na faculdade, muitas vezes na vida em geral, quando me via em dificuldades, pensava que se ela ali estivesse me ensinaria. Tinha certeza, ela teria a resposta.

Casei e por aqui fiquei. Bia foi fazer mestrado na França e ficou por lá. Muitas cartas trocadas no início, depois esparsas, até sumir de vez. Perdemos o contato. Vida malvada! Por que brinca de juntar e afastar os que se amam? 
 
Vi, em 2005, no obituário o nome dela.
Pintinho, como você se foi sem me ensinar a dizer adeus? Não estudamos juntas saudades!
 
2005( livro UI!)
 
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 07/04/2014
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