Caiu na Rede, Caiu na Vida?

 

Rosa Pena

 

 

Ele se aposentou precocemente. Nada contra os aposentados, só que ele era um tremendo administrador de empresas, gerente de uma multinacional que atuava no Brasil, acostumado a mandar, a ter um séquito de puxa-sacos ao seu lado, sorrindo para ele com ou sem vontade, elogiando até o seu arroto fora de hora. Sempre foi extremamente ocupado com reuniões, cotações, telefonemas inadiáveis, negócios urgentíssimos.

 

A firma se foi daqui e o deixou de calças curtas, logo ele, tão acostumado com ternos de grife, aos cinqüenta anos. Agora inativo, sem secretária para fazer charme toda hora; desempregado, sem precisar de grana, mas carente do papel de Dom Corleone.

 

Não buscou outro trabalho, quem foi rei não aceita ser plebeu. Aposentou o cheiro de loção pós-barba, a camisa social linda de morrer, sua voz lasciva, sua gargalhada gostosa sem hora marcada, suas citações inteligentes, seu jeito de fazer sexo sem pressa, seus impulsos de comprar um boné do Montoya, seus cds de rock, jazz, blues, suas flores dadas com culpa, mas que faziam a esposa feliz; suas idiotas desculpas, que rendiam loucas noites de fantasias; suas viagens súbitas, que o traziam de volta mais apaixonado por ser casado.

 

Aposentou sua alegria e virou fiscal do lar. Nada contra homens donos-de-casa, nada contra o sexo masculino lavar, passar, arrumar, ser mãe e pai. Pelo contrário, afinal tudo o que as mulheres sempre sonharam foi isso, e tem um charme danado ver um macho lavando banheiro, fazendo uma macarronada cheia dos temperos, para agradar sua cara-metade. Homens de avental dão tesão. O grande problema, no entanto, é que ele nunca foi do lar, aceitava a galinha na mesa como vinha, sempre chegou quando a mesa já estava posta, a esposa cheirosa e a filha de banho tomado. O que se passava nos bastidores para criar a cena perfeita do casal era sob a direção da rainha do lar.

 

O empadão era Lavoisier do assado de terça (nada se perde: tudo se transforma), o vestido novo era o antigo da prima, a filha de cabelo molhado era gel, o tapete escondia a falta de uso da vassoura, a atenção que lhe era dada pela família, esta sim, era fruto real da satisfação pela presença dele naquela hora na casa, hora em que aqueles que optaram pela carreira fora de casa, chegam para aplaudir o sucesso de quem optou por gerenciar o lar. Marina havia se casado com um executivo, que sempre disse que alguém tinha que ganhar dinheiro para bancar.

 

Marina fez do lar seu reinado. Não disputou carreira com brilho, aceitou ser mãe e esposa em tempo integral.

Sua secretária era uma doméstica, suas cotações de mercado eram as do mercado do peixe. Seus telefonemas urgentes? Para as amigas. Suas reuniões? Na escola da filha. Suas viagens? Nas férias da família. Trabalhou mais do que ele, na profissão menos reconhecida que existe. Foi doceira, cozinheira, cerzideira, cuidou da herdeira, e quantas eiras possam existir no vocabulário, menos rameira. Foi, acima de tudo, mulher parceira.

 

Sem direito à aposentadoria, passou a ouvir do novo chefão da casa a lista de seus desagrados, fruto da frustração de estar num território onde ele não era o dono absoluto da situação: que sabor insosso, maldito cheiro fedido, quantos pulsos inúteis, não sou sócio da light, pra que novela até na parte da tarde, pra que uma serviçal, isto é supérfluo, que cabelo é esse, essa máquina não pára de lavar nunca, tanto detergente pra meia dúzia de pratos, galinha no almoço e jantar?

 

Também sobrou pra filha, que antes era uma bela princesa, pra sogra que já morreu, até pro neto que nem nasceu.

 

Sempre calibrado por aquele líquido amarelo em lata, fiscalizava até mesmo o batimento cardíaco do velho cão, que perdeu o lugar na sala e viu diminuída sua ração.

 

Marina ficou doente para muitos. Crise da meia-idade, falta ou excesso de hormônios, foi o diagnóstico geral.

 

Para ele? Ela ficou foi totalmente maluca! Principais sintomas: fazer escova progressiva mensalmente, colocar botox de seis em seis meses (venerar os espelhos, pois estes refletem sem falar, enquanto o marido fala sem refletir), e o principal: virou internauta de plantão, 24 horas ligada na rede.

 

Vai pedir o divórcio, e ela está dando graças a Deus. Em 2004 saiu numa revista inglesa uma pesquisa que responsabiliza a internet pelo fim de muitos casamentos. Será? Não se estraga o que ficou podre com o tempo.



LIVRO UI!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 04/09/2005
Alterado em 10/10/2008
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