Perdão banal

Rosa Pena


Sempre gostei da pracinha Xavier de Brito, na Tijuca. É a praça dos cavalinhos, como chama a gurizada. Eu brinquei um bocado lá na infância e minha filha também. Ela cresceu, quase não passo mais ali, porém para superar a nostalgia em que me encontro, resolvi dar uma caminhada pelas ruas e parei na pracinha. Saudades dela neném, saudades de mim também.

Encontrei o velho João pipoqueiro, que sempre deu um punhadinho de pipocas pra gente saber que tinham sido feitas na hora. Vi de longe também o Ademar, que ainda vende bolinhas de sabão e que provavelmente ainda deixa quem não pode comprar, dar umas sopradinhas gratuitas e curtir o brilho do arco-íris nelas. Aliás, o colorido do arco ainda é de graça.

Acho que eles deveriam ser tombados como patrimônio histórico, de um Rio de Janeiro que já foi tão bonito.

Ontem sentei no banco da praça para pensar um pouco na vida e refletir sobre o que meu amigo Carlos falou-me sobre o perdão. 

—Se alguém lhe bateu com força em nome de uma autenticidade bizarra, não sinta necessidade de perdoar. Essa lenda de que perdoar faz bem é duvidosa. Ao conceder o perdão você estará oferecendo chances para que outros apanhem como você.

Comecei a observar dois meninos brincando. Pareciam irmãos com uma pequena diferença de tamanho. Percebi que o maior enganava o menor, com um jeitinho de amigo protetor e batia nele do nada.

Chamei o maiorzinho e perguntei por que fazia aquilo de forma gratuita, quase feliz. Acho que eu queria mesmo saber se tinha noção do quanto estava errado, aliás, saber o porquê das pessoas aprenderem tão cedo a machucar seus semelhantes com tanta tranqüilidade.

Respondeu-me prontamente que não tinha problema, pois, a noite ele pedia perdão ao irmão e assim estava resolvido o problema. No dia seguinte brincavam de novo como sempre.

Sugeri então a ele que fosse no "seu João" e pedisse um bocado de pipocas, mas que não as comesse, jogasse todas no chão, pisasse nelas com força, depois pedisse desculpas e solicitasse novamente outro tanto.

Talvez pela certeza de estar fazendo algo errado, ele topou na hora.

Fiquei observando de longe.

Dito e feito. Ele foi, fez e voltou com cara de tacho.

— E daí, você recebeu novamente as pipocas do "seu João?”

— Não, e ele ainda me falou que não deveria ter feito aquilo, que era muito feio.

— Agora imagina seu irmão que todos os dias apanha, depois ouve o seu perdão. Será que ele lhe perdoará sempre?

Menino! Pedir perdão não vem com a garantia de ser perdoado. 

Pensei em Deus. Sem duvidar de minha fé, questionei-me se ele também não anda cansado como eu, desse mundo tão revirado.
Imagina se Ele resolver não dar mais um bocado de pipocas a essa humanidade tão malcriada.

Perdão Senhor por este pensamento, mas a partir de agora, cada pipoca de afeto que me sobrou, será dada de forma bem mais zelosa. Meu saco de ternura andou sendo esvaziado em nome de uma lucidez obscura, popularmente conhecida como sacanagem.

Meu amigo Carlos tem razão. O perdão deve ser dado igual ao amor.
Sem banalização e sem coração amargurado.

Coloco os óculos e sigo em frente, buscando avistar pessoas que gostam das salgadas, mas não desprezam as doces.
Eu adoro as misturadas!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/04/2007
Alterado em 17/09/2008
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.





Site do Escritor criado por Recanto das Letras
art by kate weiss design