Imagem:German Jolanda
Me engana que eu gosto!
Rosa Pena
Ele chega cheirando a perfume barato. Ao ser indagado, diz que estava com a outra. É óbvio que não acredito neste absurdo. Imploro que fale a verdade. Então, ele diz que experimentou algumas gotas no próprio corpo, apenas para saber o aroma e comprar para mim. Fico feliz. Afinal é uma relação de mais de vinte anos.
Bota tempo nisso!
Marcelo, meu primeiro grande amor, deixou-me por outra. Casou-se com ela. Jurei que não daria certo, no entanto, já fizeram bodas de prata. Estou feliz com o sucesso deles. Já faz tanto tempo e ele, o tempo, não é a solução para tudo?
O creme de leite perdeu a validade. Parece que comprei ontem, mas foi em agosto. Esqueci-me dele, afinal fiquei de dieta por tanto tempo. Desde a data de sua compra, mas a dieta não parece que começou ontem. Tem um século que não como um chocolate.
Nunca parei para cronometrar o tempo que levo para abrir a garagem, nem mesmo conto os minutos perdidos nos sinais, as buzinas contam por mim.
Nas propagandas da TV, sei que dá tempo de tirar a carne do freezer e ainda beber um suco. Qualquer fila vira uma era. Sei que o tempo é longo quando é tempo de espera. Curto nas despedidas. Sempre faltou aquilo que não se disse, e o culpado é ele, que acabou num instante. Sei também que o secador de cabelos leva horas quando está quente na minha cabeça, e que uma gravidez sonhada não demora nove meses até a chegada da quimera.
Se eu optar pelo silêncio, um alô vira temporada de gritos. Se eu escolher o barulho, o silêncio vira período de luto.
Chego novamente à conclusão de que o tempo é o momento. Já tinha descoberto que depois dos quarenta ele voava na idade e parava nas saudades. Só achava que, depois de saber da malandragem dele, não mais me deixaria levar e não perderia um minuto do meu precioso período na terra. Ledo engano. Passo boa parte do meu dia aguardando a minha vez de ouvir ele dizer que me ama. Se não diz, afirmo que viramos apenas ótimos amigos e que isso é lindo. Tanto tempo de convivência e já não somos mais dois adolescentes apressados. Temos que ter paciência, daquela que se aprende com o tempo, justamente quando não mais o temos.
O tempo ainda me engana. E quem disse que quero a verdade?
livro:UI!