Carga Leve
Rosa Pena
Na semana anterior eu bem que tentei ir ao show do MPB-4 no bar do Tom, mas estava lotado. Fiz correndo a reserva para o sábado seguinte. Fui avisada que deveria chegar com pelo menos uma hora de antecedência, então resolvi jantar lá. Sai de casa perto das oito sentindo-me poderosa. Saltos altos dão a sensação de está tudo dominado. Entrei no Rebouças acelerada e de repente, não mais que de repente, ouvi um barulho horrendo e imediatamente senti meu carro perder o controle. Pelo menos um pneu tinha estourado. Ameacei parar, mas percebi atrás de mim um carro preto, pensei logo em seqüestro relâmpago. Resolvi continuar numa velocidade de 20km pelo acostamento.Consegui sair do túnel aos trancos e barrancos.
Constatei meu dano. Dois pneus furados, fruto de uma barra de ferro pontuda jogada na pista por algum órfão da puta. Nem mãe ele tem. Não teria mais como ir ao show. Noite perdida e eu estava me sentido tão atraente no meu tomara- que- caia! Merda!
Chamei o reboque impaciente e depois de quarenta minutos chegou o caminhão Porto Seguro.
Meu mau humor era tanto que nem olhei pro rosto do motorista, até que ele terminou de colocar meu carro no reboque e me perguntou o endereço. Dei e percebi que não tinha como voltar para casa, táxi não para ali de jeito nenhum e o celular fora de área. Quem souber a área de algum celular ligue para o meu fixo e avise.
O motorista viu minha impotência e perguntou se não queria ir com ele no caminhão. Aceitei e fui guinchada também, o caminhão era muito alto e minha sandália maravilhosa idem. O tomara-que-caia, quase cumpriu a ameaça de seu título. Sentei-me ao seu lado e ele me ofereceu um lanchinho. Aceitei, a fome era negra, afinal ainda não tinha jantado. Provei amendoim sabor churrasco e me imaginei no Porcão. A minha cara amarrada começou a se desfazer imediatamente.
Ele começou a manobrar e eu percebi que estava vendo o RJ de cima. Visto assim do alto, mas parece um céu no chão. O samba da Mangueira veio inteiro. Pronto: Estou numa churrascaria curtindo um sambão partido alto.
Inquieta, puxei logo papo. Perguntei ao motorista a velocidade do veículo.
—Dá até 120 em estrada, aqui vou a uns setenta.
—Ônibus te encara? ??????
—Alguns, mas se eu cismar de acelerar, eles se encolhem.
— Táxi nem pensar, né?
— Esses perdem totalmente a arrogância.
— Vans?
— Ficam miudinhas.
Quase gozei de felicidade. Primeira vez que estava por cima dos agressivos que se atiram na minha frente e eu que me foda de pânico. Exclamei alto:
— Yes!!!!!!!!
— Olha aquele ônibus na contramão, repara que ele vai se enquadrar seu peitar.
Dito e feito, o coletivo não nos encarou. Desta vez gritei da janela pro o condutor do ônibus!
—Vascooooooooooooooooooooooooooooooooooo!
Meu caminhoneiro começou a rir e perguntou como eu estava me sentido
—Na Disney. To dentro de um foguete espacial, acima do bem e do mal.
— Mas ta com medo?
—Medo? To adorando ver os pretensiosos se borrando, exatamente como eu fico no volante.
Caímos na gargalhada e começamos a conversar sobre a vida.
Lógico que perguntei se ganhava mal, se era estressante o seu ofício, se gostava do que fazia.Percebi que ele era bem mais relax do que eu poderia supor para um carga pesada. Gostava de sua profissão e não se achava um coitado. Afinal, como ele disse: Se todos fossem médicos, quem pilotaria a ambulância?
Descobri também que ele gostava dos Beatles, adorava lasanha e que torcia pelo América. América?
Vá lá, relevei, ninguém é perfeito.
O tempo voou. Sempre que o amargo vira doce, acaba. Chegamos na portaria do meu prédio fechando a rua, que é bem estreita. Vieram as buzinas e com ela a nossa pressa. Fui descarregada descabelada e sorrindo. Meu porteiro e outras testemunhas nada entenderam.
— Será que ela é chegada num caminhoneiro?
Finalmente quando o meu carro desceu percebi que era hora da despedida.
Tirei um dinheiro para gorjeta, mas ele disse que não precisava, pois além de ser o seu trabalho, havia se divertido bastante. Ofereceu-me o resto do seu lanche, pois já estava na hora de ir pra casa jantar, a patroa tava esperando. Aceitei feliz aquele gesto tão igual.
Refiz novamente meus conceitos, pois afinal a gente diz que não tem preconceito, mas será que não?
Antes de nos despedirmos ele disse.
— Meu nome é Luiz Carlos Pereira, mas me chamam de Lucas. Espero que não precise mais desse incomodo, mas se precisar, chama a Porto.Se for meu plantão a gente continua o papo.
—Meu nome é Suely Miranda, mas me chamam de Sula.
Caímos na gargalhada. Dei um tchau, de costas, estilo Minelli em Cabaret.
Será que o jantar e o show não seriam apenas mais uma reprise em meu currículo?
Acho que sábado que vem vou pedir ao Ed Motta um espaço na van!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/03/2007
Alterado em 27/01/2010