foto Cacille Morais
Eu quero é ser Cinderela
Rosa Pena
Olhou-se no espelho. Viu-se esplêndida como nunca se vira antes. Naquele instante, a mulher que acabara de se transformar jamais imaginaria que a menina voltaria tão rapidamente.
Agora queria curtir seu corpo e a si mesma, luminosa, cheia de si, imaginando todos os olhares do mundo ali, reconhecendo-a fêmea, adulta, coberta de promessas nessa nova vida. Seu lado masculino apreciava as curvas que se iniciavam. Admirou novamente aquela mancha, riu baixinho das besteiras que cometera até então, e perdoou-se sem culpas. Afinal, ainda era uma criança há vinte e poucos minutos. Experimentou o sentimento que não demoraria tanto para que suas bonecas fossem de carne e osso. Sabia que aquelas gotas eram o divisor de vida, aquele que separava a indulgência com os pequenos da maturidade com os grandes.
Ah! Mas por que ainda sentia tão forte esse sentimento de incertezas, de aflições? Será que era assim mesmo e no outro mês passaria ou seria pela solidão naquele banheiro cheio de momentos que se despedaçarão em breve? Aquela banheira com a Barbie loura vai sumir dali. O estojo com as sombras infantis, o batom que não é batom. Não tem certeza se quer a partida deles. Se pudesse ser a mistura do que foi com o que é agora!
Queria lembrar para sempre como era se jogar no colo do pai, da mãe contando as histórias e antecipando os finais, pois sabia que teria que repeti-las, o avô chegando com chocolates, o quanto tudo isso um dia foi maravilhoso, mas, em algum instante, virou mico, então começou a dispensar manifestações de afeto, o beijo maternal, um saco. Felicidade era poder usar sutiã, ainda que sem peito, ficar com um menino mais velho que ela, trocar de celular umas três vezes por ano.
Seus olhos se encheram daquela água salgada e o convencimento, a surpresa e o encanto inicial de se ver fêmea, virou medo. Curvou-se sobre seu sexo e percebeu que o sangue que escorria quente, noticiando o fim de sua infância, voltara a jorrar. Sabia que sua mãe era corajosa, mas percebeu que ela ainda não era. Que se danem as capas da Playboy que os meninos ficam olhando com risinhos, ela ainda queria ser a Cinderela.
Gritou bem alto:
— Mamãe! Vem aqui correndo. Virei mulher tão de repente.