Brazilian dream
Rosa Pena
O major veio transferido de Washington para o Rio de Janeiro. Aqui ainda era capital.
Quando a família de americanos instalou-se na casa bem ao lado da minha, mamãe contou-me que minha irmã mais velha ficou toda metida. Afinal, naquela época americano era show, Broadway, rock'n roll. O major Lincoln, dona Margareth, Beth, a filha mais velha, Fred, o do meio, e Roberto, o caçula, eram na nossa rua o sinônimo de poder.
Sabem como é, né? American way of life.
Os brinquedos deles eram tudo de bom que a gente sonhava: patins, bikes, bonecas com olhos que mexiam, bebês de borracha mole, e tia Meg tinha liquidificador, batedeira elétrica, aspirador pequeno, quase portátil. Perto do tiranossauro lá de casa, era espetacular. Eles eram um filme da Metro-Goldwyn-Mayer ao vivo.
Não eram metidos à besta não, pelo contrário. Eu bem menina e não me lembro bem dos pequenos detalhes. Ficou registrado, no entanto, em minha memória e em fotos, o começo do meu american dream, e Bob virou meu amiguinho inseparável, segundo as más línguas (minhas irmãs), meu primeiro namorado. Será que foi o meu primeiro amor?
Trocamos muitas figurinhas e jogamos juntos, no telhado de minha casa, nosso primeiro dentinho de leite que caiu, para crescerem outros bem fortes. Demos beijinhos nos dodóis e ficamos de castigo juntos.
Sentimos medos dos mesmos monstros e tivemos heróis quase iguais.
Quando estávamos com sete aninhos, o major se foi.
Eu cresci e o meu dream mudou radicalmente. Passei a querer ser noiva do Guevara. Lembrei-me de Bob poucas vezes depois que ele se foi, uma delas durante a guerra do Vietnã. Imaginei se meu amigo amado, o mesmo que me ensinou a andar de velocípede, estaria entre aquelas bombas.
Tornei a pensar nele no tal onze de setembro.
Concluí que talvez Bob é que tenha tido um brazilian dream no decorrer de sua vida.
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