Sou a que foi morar contigo em Paris sem grana e fotografou, aos prantos, a igreja de La Madeleine, pensando ser a Notre Dame.
Sou aquela que comprava Lee usada no mercado das pulgas; a que roubou a pimenteira da mesa no restaurante em Londres para se vingar das libras cobradas indevidamente; a que te deu aulas de madrugada para o concurso da Petrobras; aquela que acampou no Peró contigo... Ah! Esquecemos de levar água; a que foi tua navegadora no rally de moto até Minas, sem nada saber, mas fantasiando que era Paris Dakar. Só rindo!
Sou a que brigou com a família e te assumiu. A que te deixava tonto no Leme, tentando jogar vôlei na tua rede, com um metro e cinquenta e oito cm. A dos biquínis mínimos de cores trocadas. A amante das madrugadas vazias no Alto da Boa Vista. A que te mandava uma rosa todo dia quinze de cada mês. Aquela que subiu no palco do People e cantou Dores de Amores com o Luiz Melodia no primeiro porre da vida.
Gim-tônica nunca mais!!!
Sou a “miserinha”, como tu me designou, das minissaias escandalosas, dos brincos da feira hippie na Praça Nossa Senhora Da Paz. A que trocou na véspera do casório o vestido luxuoso para casar com uma tiara de flores do campo na cabeça, ao som dos Beatles, deixando a família maluca. A que implorou uma foto do Marsalis, no Village Vanguard.. Tu?!? Saíste de fininho. Eu? Sai com ela.
Sou a cara-pintada num mundo de caras pálidas; a que celebrou contigo a chegada da nossa filha sonhada. A normalista que queria casar com Guevara; que sonhava ser musa do Godard; que cozinhava ao som de BB King. Sou a que chorou em “Chorus Line” e riu no “Fantasma da Ópera”. Sou a que aceitou não ter sofá para ter pão.
Sou a que te perdoou em cada ida. A que te celebrou em cada volta.
Não digas agora que me desconheces. Não!
Não anules nossa história.
Texto biográfico de Rosa Pena escrito em 2000 e publicado no Livro PreTextos 2004
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 18/09/2012
Alterado em 19/01/2013