Desenho de Tiago Leal
Bar
Rosa Pena
Um pianista tocava uma música inespecífica, ninguém ouvia mesmo, para que se esforçar?
Ele chegou com um ar cansado, sentou-se sem escolha e pediu um vinho tinto. Os cabelos maravilhosamente brancos, a testa franzida acentuando as rugas em andamento, nos lábios um sorriso triste, mas bem dele, sem disfarce algum.
Deu um gole na bebida, dois, três, e por fim afogou-se inteiro nela. Os olhos eram de uma solidão gritante. Pediu ao garçom que entregasse ao pianista um papel onde estava escrito Naquela Mesa de Sérgio Bittencourt e que trouxesse outra garrafa de vinho.
Veio mais uma e mais outras. Na quarta garrafa, o gerente com um crucifixo de ouro no pescoço, preocupado com o porre de um homem com o ar tão distinto, aconselhou-o a parar e afirmou que a fé cura qualquer dor.
Ele olhou para o homem, para sua apreensão e disse:
—Um brinde a vida que segue apesar de tristezas antigas, solidões, frases não ditas, desistências e cansaço! Quem se diz afortunado o tempo todo mente. Depois do porre quem sabe a cabeça não volta ao antes e com ela as cores, o riso, o arco-íris, o girassol, a morena d' angola...
Com sua licença Pessoa! Olha que as religiões todas não ensinam mais que uma mesa de bar.*
* Inspiração: Tabacaria/Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)