Sol sem filtro solar

Rosa Pena
 
Tenho tido tantos sentimentos contraditórios, uma miscelânea do pouco que ainda sonho com excesso de melancolia. Inúmeras lembranças para míseros projetos. Meu carioquês está em desuso, aliás, eu estou démodé. Sou um déjà vu ambulante. Outro dia falei retrato em vez de foto. Quase fui em cana. Mania que tenho de dizer o que vem na cabeça sem elaborar, delírio de projetar minhas recordações muito fora do alcance de quem me ouve. Mas alguém ainda escuta alguém?

O pretérito! Agora sempre imperfeito, cavalo capenga que já foi vencedor em tantos páreos! Passado teimoso que troteia em suas patas mancas e insistentemente ama o espelho, que adora nos mostrar a cada dia mais rugas. Porém, alguém do planeta dos macacos eunucos, alardeia que devemos sorrir felizes! Estamos ingressando na melhor idade (Certamente quem veio de lá foi o Lair Ribeiro que vendeu milhões de livros “Como Envelhecer sem ficar velho”). Lair! Quebra um galho. Cria como se emburacar no chocolate sem engordar! Comer comer é o melhor para poder crescer... Para os lados!

Ok! Grito para o escravo de Narciso! Sei que já estou quase alforriada para ser imprópria, gulosa, sem limites desde o carrinho de feira passando pelos pés dos outros até a boca que chama som de toca discos. Que blasfêmia chamar CD de disco! A juventude acha a velhice um porre, mas fica bonitinho sorrir das senilidades que o pessoal da idade feliz pratica (será que pratica?).

A memória brinca de esconde-esconde e quando aparece é para nos lembrar que agora o uísque é só uma gotinha no imenso copo de guaraná, o cuba não é mais libre, a água mineral é sem gás para evitar flatulência, a empada é de rúcula, o bolo light, Porcão Rio’s é para você pagar no seu aniversário e enquanto genros, primos, sobrinhos e coadjuvantes enchem o fiofó de carne, lingüiça, você saboreia uma couve-flor. Caso seu comportamento seja considerado exemplar abre-se uma exceção. Meio Petit Gateau de sobremesa para cantar os parabéns! A comemoração de um tempo que já foi bonito e, a cada minuto, fica mais ridículo dizer “muitos anos de vida”. Não quero mais festas de aniversário, pois eu nasci há dez mil anos e naquela época o Raulzito não deixou registrado nenhum tipo de comemoração, que dirá em churrascarias!

O que eu ainda desejo?
Meu cabelo com cheiro de mar, biscoito globo, ter notícias de Eduardo e Mônica, ouvir Creedence Clearwater Revival numa Honda 500, beijar muito na boca, e o retorno da magia para que eu consiga engolir a sacanagem que fizeram com astro rei, logo a água ferrou-se, a Terra passou a tremer mais, Sodoma ressurgiu em Tatis boladonas ,“Eguinhas Pocotós, um grupo de Judas vira, anualmente, Cristos no BBBial, torcedores matam até na vitória do seu time. Urge que caia sobre mim muita complacência (bota tolerância, benevolência, condescendência e todos os sinônimos) para aturar aqueles que nada sabem, mas se acham os fodões. Não imaginem que estou deprimida, que quero colo, consolo e etc. Faço o que me apetece e rever meu passado é saboroso. Esgotou-se a convivência com esses professores de existência, peritos em celular, games, MSN, carros, mas sem noção que Oslo é capital da Noruega, Paris é cidade Luz, Mary Streep é uma atriz fenomenal, Woody Allen um diretor a frente de seu tempo...


Estou chata, excesso de saudosismo enjoa, mas estou me lixando, pois não preciso mais que apostem fichas em mim. Já estou fora do páreo. O que eu ainda desejo mais que beijo na boca?
A esperança- certeza de que muita água boa jorrará na Terra, a primavera florirá loucamente, o rei do sistema voltará a ser amigo dos humanos. 


 O máximo?
 Idealizar minha neta andando pela estrada do sol sem filtro solar!


 
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 23/02/2012
Alterado em 27/02/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.





Site do Escritor criado por Recanto das Letras
art by kate weiss design