ilustração ray caesar
 
Natal no outono
Rosa Pena

 

 
Tudo comprado e já embrulhadinho com de/ para/. Não posso me permitir a deixar nada para última hora ainda mais com essa maldita dor que me acompanhou o ano inteiro. Fascite Plantar. Maldita, maldita, maldita! Quando eu era magra não tinha essa porra. Começou depois que parei de fumar e óbvio engordei. Agora não agüento o corre-corre. Mas será que ele ainda é necessário? Antes era tanta gente para presentear, muita coisa para arrumar, mas eu gostava. Eu tinha fôlego, tinha excitação, tinha papai, mamãe...

Agora somos poucos e essa filha da égua conhecida como fascite. Dorzinha miserável, prenúncio da velhice. Sim, já percebo o arzinho condescendente do genro, de sobrinhos e meia dúzia de gatos-pingados. Ninguém acredita na sua dor, como você duvidava das de suas tias. Esclerose é o diagnóstico deles.

 Ah! E ainda assim tenho que dar presentes pros chatos que me olham com indulgência e em breve me presentearão com talco, pentes e pantufas independentemente da festa. Às vezes o que eu queria mesmo era envelhecer logo para eu poder me aposentar da cortesia, do faz de conta que não entendi a gozação, de me fazer de morta pra poder comer o cu do coveiro, para não chorar demais diante da morte dos da minha geração, voltar a deitar-me ao sol sem medo de câncer de pele, até me esturricar como fazia há tão pouco tempo atrás.


Qualquer coisa para esquecer esse frio louco em pleno verão nesse meu início de outono.

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 05/12/2011
Alterado em 10/12/2011
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