Muitas vezes viajamos pelo passado e vêm as reminiscências. Sem querer acabamos por fazer uma correlação com os fatos do tempo presente.
Essa semana veio a recordação de minha sobrinha pequenininha. Quando ela estava com quatro anos criou um amigo imaginário. Colocou-lhe o nome de Ninho. Ela o concebeu dentro do seu cotidiano solitário de filha única. Os dois brincavam, conversavam, brigavam. Uma amizade com excesso de convivência, a necessidade dela exigia, portanto apareciam inúmeros sentimentos conflitantes, como qualquer relação real do dia-a-dia.
Um dia ela me apresentou ao amiguinho invisível e eu sorri com ar de descrença, mas com o tempo o seu companheiro começou também a fazer parte dos meus dias, talvez por eu perceber a importância dele em sua vida. Ela o via e o sentia de acordo com suas carências. Quando estava triste ele lhe dava carinho, o maior apoio, se alegre riam juntos e quando algo dava errado, sobrava pro Ninho. Aprende-se cedo a criar bodes expiatórios! Sem sombra de dúvida ele supriu muitíssimo o vazio dela até que começasse a freqüentar a escola. Aos pouquinhos percebi que o Ninho já não mais aparecia com constância. Mais algum tempo e ele partiu para o esquecimento total.
Ela espichada, cheia de atitude com mochila, merendeira, lápis de cor, uniforme. O tempo não para, a ampulheta dispara e a escola com amigos concretos, traz as grandes verdades: O coelho da páscoa (que decepção) nunca colocou ovos, o Papai Noel (coitado) só presenteia se tiver décimo terceiro, cegonha é a nossa mãe.
Maldito ultimato à realidade. Este é o primeiro tributo que nós, adultos, pagamos.
Saudades de mim. Nos meus tempos de criança onde um pneu velho se transformava em um carro possante, uma folha de árvore era dinheiro na feirinha do quintal, o guardanapo da mamãe virava a colcha da minha boneca, a peteca passava a ser o índio que lutava com o pirata. Qualquer coisa possuía vida na minha Vida. Com a chegada da “tal” maturidade”, quase tudo se esvaziou. A fantasia "boa" sumiu com o juízo, que dó! Tarja preta não nos permite sonhar colorido, a estresse não nos libera nem em preto e branco.
Mas eis que a tecnologia nos trouxe um alento! A bendita Internet. Ela revitalizou a criança que existe em nós. Sim! Aqui podemos transformar o feio em bonito, colocar sol em pleno dilúvio, conhecer muita gente, criar amigos, descobrir afinidades, trocar risos, choros, desenvolver o nosso imaginário. Viramos inúmeras vezes miúdos. Ah! E como é bom ser criança, poder sorrir sem medo, sem culpa, sem inventar desculpas para ser feliz.
Fazemos verdadeiros amigos virtuais um pouco parecidos com o Ninho (sem olho no olho), que ora amamos, ora brigamos, fazemos as pazes e assim os dias ficam mais leves, belos, o tempo diminui, a solidão encolhe e a vontade de ficar no micro estica.
Porém, será que todos já perceberam a diferença fundamental entre criar e ter um amigo? Nosso fraterno aliado aqui, não é imaginário como o de minha sobrinha. Ele possui corpo, coração e mente. Não é descartável a cada novidade, ele chora e ri exatamente como nós.
A Internet não é fruto de nossa fantasia. É um veículo de comunicação que aproxima as pessoas. É a condução que nos leva a criar afetos que possuem vida própria dentro e fora das nossas histórias. Não são manipuláveis de acordo com os nossos sentimentos. Torna-se imprescindível não se esquecer jamais a diferença entre um coração e um IP.
É primordial você ser você com ou sem tela, sem precisar se esconder, até por que... Amigo a gente fotografa ao conhecer e revela para continuar a ser.
(refeita_ 2004)
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/10/2011
Alterado em 26/10/2011