Corte nos Supérfluos
Rosa Pena
Adélia se acostumou a fazer economia o ano inteiro. A cesta básica, inventada por Arlindo, ela obedecia à risca. Sim, um quilo de feijão tinha que dar a semana inteira. Carne vermelha, uma vez de quinze em quinze. Nada de vestido novo. Sim, Arlindo dizia, não é vergonha ser pobre, porém limpinha. Supérfluo é pecado, já basta esse seu cigarro no varejo do boteco. Arlindo fumava dois maços por dia, ela, um cigarrinho de vez em quando, mas parou de vez. Economia é economia.
Sempre esperou pelas festas do final do ano para tirar o pé da merda. Arlindo finalmente liberava parte da verba. Era o momento de comprar um peru ou um lombinho, uma seda estampadinha e fazer seu traje novo pros eventos, aliás, de programa só tinha a missa aos domingos. Arlindo era muito ocupado, vivia engravatado, não podia passear ou fazer amor com ela, o tempo que lhe sobrava ficava tratando de negócios no MSN. Caixa do Bradesco de dia, poeta reconhecido pela Unesco de noite.
No início desse mês, avisou-a de que o décimo terceiro vazou, que, afinal, no final dos finalmentes, pra que ceia e seda no Natal?
Ontem, foi visitar o capado em coma, coitado, na Santa Casa. O membro está no freezer e de lá vai direto para a frigideira. Nada de desperdícios.
Afinal, no final dos finalmentes, entre contas e poemas, pra que ele precisava de pau?
Mais um corte nos supérfluos.