Presente de Noel... Papai!
Rosa Pena
Rodrigo tinha quatro anos quando os pais se separaram. Seu papai foi morar no Leblon e a mamãe ficou na Tijuca. Ele, bem cedo, descobriu a enorme distância do Túnel Rebouças, pois o pai dificilmente ia visitá-lo e a mãe justificava, dizendo que moravam longe. Esperou-o na festa do Dia dos Pais, mas o engarrafamento desse imenso túnel impediu a chegada do homenageado. O progenitor, que pena, mora cerca de três quilômetros de distância, quase trinta minutos de carro! Que coisa complicada!
Quando ele estava com seis anos, começou a descer para o play sozinho. Esperto e simpático, não ficou sem turma. Rapidinho, mostrou sua alegria de viver e a língua ficou totalmente solta. Ah! Primeira infância e terceira idade falam tudo sem vergonha alguma. O tempo intermediário entre elas é cheio de falsos pudores. Lembro que meu avô cantava na rua e não ligava pro mico. Na minha idade, se eu der uma risada mais alta, pago um big leão dourado e ainda levo fama de maluca.
— Leblon é no mesmo estado?
Rodrigo perguntou pro Alcir, o cinqüentão que virou seu melhor amigo por conta do cachorro Netuno. O homem era o dono de um labrador que quase virou do Rodrigo, tamanha a identidade entre os dois. Dizem que o cão escolhe o dono. Netuno escolheu os dois de uma vez.
— É no mesmo município. Apenas bairros diferentes — respondeu Alcir, desconversando.
Rodrigo tirava todas as suas dúvidas, até mesmo da escola com esse amigo. Aprendeu com ele a reconhecer no mapa os municípios, os estados, o país. O companheiro adorava mostrar os lugares que gostaria de ter conhecido, porém faltou a bendita grana. O cartão de crédito da esposa é que deu a volta ao mundo.
No seu aniversário de sete anos ele ganhou um filhote do Netuno. Deram-lhe o nome de Plutão, em homenagem ao anão. Agora, passeavam os quatro pela Terra, quer dizer: pela terra do jardim do condomínio. Plutão deu sorte de o pai morar na Tijuca.
Alcir, no Dia das Crianças, comprou uma mesa de jogar botão pra galera, inclusive ele. Mais uma distração para folgas e feriados que temos de sobra. Carnaval começa no réveillon e acaba nas férias de julho. Ou nem acaba? Rodrigo adorou e jurou que eles ainda vão para as Olimpíadas, muitas delas, em países longes, aqueles em que Alcir queria ter ido e não foi. Garantiu que vai levar o parceiro em todas. Dividiu esse seu primeiro sonho com o amigão, que sempre lhe deu e dá a maior força em tudo, como no dia em que sua mãe demorou a chegar. Chovia muito e ele chorou de medo. Alcir novamente ofereceu seu carinho e ele se acalmou. Descobriu com o cúmplice que a melhor coisa para espantar o medo é conversar sobre o próprio. "Se a gente falar da morte ela fica igual a qualquer coisa da vida", aconselhou o grande ao pequeno. "Os fantasmas ficam desmoralizados... Sacou, Rod?".
Ontem sua mãe mandou que ele fizesse logo sua carta pro Papai Noel, que pedisse o seu presente com bastante antecedência, para dar tempo de chegar no dia do Natal. Ele perguntou bem sério:
— Onde mesmo mora o Papai Noel?
— Pólo Norte, ela respondeu distraída.
— Não é nem no mesmo estado que o nosso, logo é bem mais longe que o Leblon. Quantos túneis Rebouças?
A mãe tentou explicar que era em outro canto da Terra, muito, muito mais longe que o Leblon cheio de sol. Um lugar coberto de neve.
— Então a carta vai ficar no engarrafamento?
— Não! Quer dizer (tentou disfarçar), acho que não.
— Posso trocar de Papai Noel? Prefiro o Alcir, que está sempre por aqui. O presente que eu quero é que ele nunca vá morar no Leblon.