mais ou menos
Rosa Pena
O casal é a prova que existe exatidão no exato! Côncavo encaixado no convexo, as costas, as pernas, as bocas no tamanho que devem ter, sem tirar nem pôr. A simplicidade no sorriso, a cumplicidade no olhar, a plenitude do pronome nós! Poesia livre. Daí, eu, tu, ele, nós e vós, ficarmos desconfiados da felicidade deles. Não é amor, é só fachada. Nenhum casal de papel passado consegue isso no dia-a-dia.
— Que sonho!
A beleza de um amor aborrece. Um amor não pode ser mais: incomoda a vaidade dos demais.
O casal é a prova que deixar assinaturas em cartórios é a maior furada. Vivem reclamando um do outro, cínicos, egoístas, individualistas! Sem poesia. Daí, eu, tu, ele, nós e vós ficarmos de saco cheio de tanta falação (maior baixaria) e das eternas lamúrias deles. Se não se amam, por que não se separam logo?
— Que pesadelo!
A feiúra de um amor irrita. Um amor não pode ser menos: chateia a vida dos demais. O casal não briga, nem ostenta paixão descarada. Afeto comedido, empada com pouco camarão, um vinho sem safra, um apartamento acanhado, os dois vivendo de salário, apenas um filho, com o nariz idêntico ao do pai, tesão com hora marcada, sexo de porta fechada (só depois que o Júnior dormir), uma única extravagância na vida, ir à Disney num pacote em vinte vezes sem juros, depois um jantarzinho de adesão (cada um leva um prato e racham a bebida), para mostrar as duzentas fotos da baleia em Sea World brincando com papai (lembra, mãe?), uma visita semestral a um motel para contar aos amigos que a paixão ainda ferve, encontros dos familiares às sextas, onde as mulheres falam de novela e os maridos de futebol, amantes escondidos, toda nudez será castigada, felicidade ajustada. Poesia com métrica estudada. Daí, eu, tu, ele, nós, vós e eles ficarmos tranqüilos:
— Que sono!
Um amor deve ser mais ou menos, pois fica igual aos dos demais.
LIVRO UI!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 28/10/2006
Alterado em 05/12/2009