Semancol
Rosa Pena
As meninas dormiram aqui em casa. Geralmente escolhem minha casa, pois acham que sou moderna e não vou questioná-las.
Será que sou?
Pela animação da conversa, madrugada adentro, a festa havia sido ótima.
Não queria ouvir o que falavam, mas ouvi e prestei atenção.
Luciana fala alto, e eu bem que gosto de saber sem indagar. Passo por boazinha.
"Fiquei (leia-se beijos, abraços e amassos com duração entre 15 minutos a 4 horas) com três meninos", declarou orgulhosa...
Inês, com tranqüilidade, perguntou: "E qual foi o melhor?"
Luciana não soube responder. Ficou quieta, sem saber o que dizer.
Quase entrei na conversa, mas meu semancol avisou-me que não era momento. O papo era delas, e a conclusão devia ser pelo menos tentada por elas. Peguei minha mordaça imaginária e fui para o micro.
As palavras não ditas às meninas ficaram me cutucando.
Como diria àquelas adolescentes que elas estavam exercendo apenas o prazer da conquista?
Sim, não havia prazer no beijo, mas no desejo de medir a capacidade de sedução.
Então, o importante era a quantidade. A sensação de possuir armas e estratégias eficazes para entrar no território alheio.
Maldição! Passei essa idéia para nós escritores.
O que nos leva a querer fazer meia dúzia de poemas por dia?
Por que será que temos que postar tantas e tantas mensagens?
Quando não conseguimos, achamos que estamos com ausência de versos e seremos esquecidos.
O dia que não sai nada, é um dia péssimo.
Essa regra que fiz agora, foi baseada em mim. Coloco-a no plural. Quem achar que deve ser no singular, leia-a no singular.
Estou crítica, e não cítrica.
Percebo que de vez em quando cismo em fazer quatro poemas medianos, que juntos somam apenas um bom.
-- Rosa, você escreve para você ou para o leitor? minha consciência adora me questionar....
-- Escrevo para os dois.
-- Desculpe-me, mas você adora um elogio.
-- Lógico! Quem não aprecia saber que foi lido, degustado e amado?
-- Ah, então você envia quatro, pois certamente um vai emplacar?
-- Não, não é isso... ou é isso?
-- Olha, querida Rosa, vou realmente cutucá-la.
Existem opções claras na vida: ter um amor de cada vez e dedicar-se inteiramente a ele; ter diversos amores ao mesmo tempo, alguns bem feitos, outros apenas para constar; trabalhar com qualidade ou com quantidade suas emoções.
-- E o que é melhor? - indaguei à maldita consciência.
-- Depende, amiga, para quem. Para você, de repente, a quantidade faz bem ao seu ego. Para o leitor, sem dúvida a qualidade.
Se manca!
Fecho o micro, passo a régua e vou dormir.
livro: Eu & a net/ 2003
Registrado na Biblioteca Nacional