Torpedo

                               Rosa Pena




Confesso que não sei usar celular. Só sei telefonar.
Uso-o de vez em quando por total necessidade, mas temos incompatibilidade de gênios.
Ganhei um novo agora no Dia dos Namorados, visto que minha filha tinha vergonha do meu antigo. Um mico, um gorila, segundo ela.
O bicho era preto, grande, feio, mas eu já estava acostumada com ele. Que nem meu carro, um Fiat já bem usadinho, mas que eu adoro. Já sei direitinho que ele vai falhar se eu ligar o ar-condicionado, já sei que o cano de descarga vai despencar de novo naquela ladeira. Somos amigos inseparáveis há dez anos.
Que nem marido quando a gente já fez bodas de prata, que nem empregada com mais de um ano de casa! Já sabemos que se ele comer feijão no jantar vamos ter que suportar o barulho do motor a noite inteira. Do mesmo modo, a gente também passa a ter a certeza absoluta de que a cozinha não foi lavada na sexta, e sim que foi apenas passado um paninho com Veja limpeza ativa, perfume limão.
Pois é, o meu celular antigo já tinha virado amigo. Não tinha outra função que não fosse a de ser telefone.
Esse novo é fodão. Fala até por mim. Acho que se eu apertar alguma tecla que ainda não testei ele vai dar aula no meu lugar.
Bem, ontem resolvi ficar íntima dele. Parti logo para um desafio. Passar um torpedo (a Luma conseguiu passar um monte para o bombeirão, por que eu não?). Lembrei-me de uma amiga da praia, muito legalzinha, que adora usar celular direto. Estou sem falar com ela há uns quinze dias, pois aqui no Rio de Janeiro está chovendo todo final de semana. Só nos vemos assim, ratas de praia, ambas adoramos um bronze.
Enviei:
— Carioca branca, precisa de calor. Adoro arder no inferno de Ipanema.
Não recebi resposta alguma. Conclui que estou na classe de alfabetização daqueles botões.
Hoje, chegando ao trabalho, tinha um bilhetinho na minha mesa com um bombom.
— Pode vir quente que eu estou fervendo há um tempão. Em Ipanema, amanhã, final da tarde, Bar do Tom. Gostosa... hum.. humm! Eu.
Olhei para meus colegas e não sei até agora de quem eu levei a cantada.
O pior é que ele deve estar me olhando direto, certo de que eu é que galinhei!
Coloquei um aviso no mural, tentando salvar um pouco minha imagem.

“Vendo um celular seminovo Vivo, por cem reais.
Informações ao vivo, pois o motivo da venda é não saber usar o Vivo.”


2004
livro:PreTextos
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 20/06/2005
Alterado em 03/10/2008
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