Onda... Olha a Onda!
Rosa Pena
Georgina, no dia primeiro de janeiro de 2006, completou sessenta anos sem festa, aliás, nunca teve nenhuma. Quem mandou nascer em virada de ano? Acordou sexagenária e pensativa. Um ano atrás as fúrias das tsunamis tinham varrido uma parte do planeta. Sri Lanka foi devastado. Será que vai conseguir se reerguer?
Em 1996 passou uma em sua vida. A tsunami se chamava Arlene. Levou seu marido, sua auto-estima e deixou a fêmea Gina em coma profundo. Blindada. Só sobreviveu a mãezona Georgina, que acabou de criar o filho nos trinques, até conduzi-lo ao altar. A partir daí, aprendeu a ser uma tremenda vovó, uma expert em pinturas de cueiros, sopa de batata-baroa, falar tatibitate pra criança aprender tudo errado e depois ela ter o trabalho de ensinar certinho. Sentir orgulho de sua paciência de Jó, ou melhor, de vó.
Danada preguiça que a assaltou nessa manhã. Levantou-se aos trancos e foi correndo lavar a cara (não tinha mais rosto), pensando na louça da véspera, além dos camarões ainda por empanar, pro Fredinho, seu filhinho, que sente desejo em qualquer feriado.
Parou no espelho da pia do banheiro e encarou um terrível olhar nos próprios olhos. Boca murcha de quem nunca mais beijou, cabelos sem cor. Despiu-se lentamente e desceu a vista para a flacidez dos seios, os contornos da barriga ligeiramente salientes. Numa pequena virada, a bunda, não mais empinada.
Sri Lanka vai conseguir se reerguer?
Abriu a cortina e viu seu vizinho, com mais de sessenta, que adora menininhas, peladão! O saco dele também despencou e o Sri Lanka dele nem mais é assim tão erguido, mas ele sempre se achou o foda! Sorriu para si mesma, como há muito não fazia. Os dentes da Georgina ainda são tão bonitos!
Deu uma respirada profunda, segurou o ar, encolheu as saliências, ergueu os ombros, sacudiu os cabelos. Uma mirada nas mãos e reparou que suas unhas agora são duras e escuras. A gente nasce com as unhas tão branquinhas e molinhas e morre com elas encardidas e encravadas. As unhas são implacáveis como o tempo. Endurecem com a vida. Ainda bem que existe esmalte adoidado. Colore a vida gasta.
Seu olhar vistoria a banca da pia. Talco, sabonete, desodorante, escova de dente. Uma pia vazia de vaidade. Recordou que antes da vaga vagaba, o gabinete era disputadíssimo, e a colônia pós-barba se encolhia para dar espaço aos seus hidratantes.
Seu telefone também!
Pedro, seu pente, seu cheiro, seu homem. Ela nunca mais olhou para os lados, que dirá apostar! Só pensou no Pedro e no bial dele, da época de recém-casada. Desmemoriada! Esqueceu de se esquecer dele, esqueceu que ele depois trabalhava em DVD (deitou, virou, dormiu), esqueceu dela e esqueceu que vendaval também pega o sexo masculino, aliás, é o Sri Lanka.
Sri Lanka vai se reerguer!
Marta, sua prima, vende Natura. Como é o nome do creme? Pra de manhã, de tarde, de noite, pro rosto, pro corpo. Pra alma, será que tem? Creme acalma! Quanto custa a academia de ginástica que fica na esquina? Um pretinho básico com um decote generoso, emoldurando os seios suspensos naquele sutiã meia-taça rendado que viu na propaganda. Merda, bem agora o maldito telefone. Atende pelada e sem paciência. O vizinho agora é quem olha e dá um sorriso indecente. Sua bunda caída subiu de repente?
— Mãe, já estou indo. Fez os camarões?
— Não, Frederico! Acordei agora.
— Tá maluca, mãe?
— Tava, querido! Fiquei dez anos, mas agora passou. Tenho certeza de que Sri Lanka vai se reerguer.
— Mãe, você bebeu?
— Ainda não, só de noitinha. Já existe tratamento de rejuvenescimento de unhas?
O vizinho era gostoso, pena que muito bobo pra segurar a onda gigante de uma mulher quando ela se sente exuberante. Já com Arnaldo está dando certo. Ele faz empanados como ninguém! Que croquete, e ainda trabalha em VHS (várias horas de sexo).
Sri Lanka está bem erguido!
livro UI!