Não, não mesmo. Sem sonetos de amor, sem solos de sax, sem telefonemas saudosos nas madrugadas vazias, sem cartões no dia dos namorados, sem cartas de amor, ainda que tiradas no tarô, sem recados benfazejos de realejos, sem serenatas com gemidos de guitarras, sem “essa é a nossa canção”.
Não existiram, nem existirão dores de amor, porres para enganar a inquietude, suspiros cheios de olheiras. Nada de cobranças de dívidas afetivas, de cadastros onde se tem que preencher: Descomprometidos. Nada de notificações avisando que, pelo menos, nos nossos aniversários acontecerá um jantar a dois.
Sem choro, sem vela, sem fita amarela! Não precisamos do muro das Lamentações, nunca fomos roedores de beira de calçada, jamais soluçamos por infidelidades, aliás, odiamos o melodrama dos boleros de Gardel.
Nada de discussão de relação, até porque não existe relação, apenas um entusiasmo passageiro, um intercâmbio de carências, uns papos caducos que acabaram por resultar em poemas boêmios rascunhados em guardanapos de papel, que, quem sabe um dia, algum lixeiro declamará para sua amada? Como você pode constatar, eu, em tempo nenhum, nada exigi.
Nem antes, nem agora, nem no que virá. Sou descolada. Nunca aceitei Superbonder afetivo. O silêncio nessa clínica junto com todos esses remédios me entorpece. Ouço o barulho do crepitar da chuva na janela enquanto imagino um beijo quase sacro em sua boca. Sua respiração, ainda que por instantes, ficou ofegante. Será que foi só impressão minha? Você atualmente está completamente impessoal.
A fada Sininho chegou com a injeção de Dormonid. Cedo o braço sem resistência, pois enquanto ela escorre em minha veia eu ouço “Lembra de Mim".
Será que essa seria a nossa canção, caso tivéssemos tido uma?
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 21/06/2010
Alterado em 14/02/2012