Aporta do meu armário não fecha, tem roupas em demasia, muitas velhas ou fora de moda, mas que não tenho coragem de jogar fora ou doar. São roupas com memória da minha epiderme, histórias do pelaí que vivi, algumas que tiveram um final apressado, outras que sequer tiveram finais.
A porta do meu armário não fecha por mais que eu esprema minhas segundas peles para dar espaço pra pele de agora. Não sei por que a gente teima em guardar o biquíni do ontem que não cabe no seio do hoje. Será que o coração cresce mais que qualquer armário ou usa Rexona onde sempre cabe mais um? Minha camiseta dos anos setenta tem meu sorriso ainda sem siso e o apelido do menino da esquina. A minissaia xadrez ainda tem o cheiro da minha primeira entrega e o codinome “te fiz mulher”. A blusinha branca de rendas o nome da minha filha.
Meu armário teima em ficar entreaberto não só por saudosismo, mas também porque nele está guardado meu tempo de “cara limpa”, sem armaduras, sem máscaras, sem medo de ser princesa e amar um plebeu.
Na pia do banheiro, meu estojo de limpeza e a maquiagem do presente, cheio de cremes com elastina que elimina as células mortas do rosto. Ninguém inventou creme pro coração, mas também ele não envelhece que dirá morrer. Um blazer esportivo 2006, um batomVictoria Secret´s num sorriso cheio de sisos e passo ilesa na rua, sem levantar suspeitas, se sou ou não feliz pra cacete nesse mundo avançadíssimo. Ninguém vai imaginar que a porta do meu armário ficou semiaberta com a t-shirt do George Harrison espiando um céu sem Plutão.
Ele era um planeta anão, daqueles que não cabem no mundo gigante de agora.
Somos nós três de outrora, onde o relógio valia menos que a hora.
Livro UI!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 31/08/2006
Alterado em 04/01/2015