*2020*
Rosa Pena
Carlinha vem passar o fim de semana comigo.
É seu aniversário. Estou feliz de ver minha neta ao vivo pela primeira vez. Puxa! Vou tocá-la, cheirá-la.
É óbvio que assisti ao nascimento dela e ouvi seu choro em tela grande e não travou nada.
Também dei sorte no batizado. A conexão estava excelente. Participei feliz do evento, com efeito sonoro e a imagem 3D. Meu Velox funcionou bem demais.
Mas o cheiro eu nunca senti. O Bill Gates ainda não fez versão Windows Natura ou Windows Boticário.
Estarei lúcida na versão cheiro? E serão estes os cheiros?
No mais, tenho acompanhado tudo da vida e do mundo. As imagens são lindíssimas, o som um verdadeiro show.
Será que ainda se mergulha no mar? Que ainda se namora em cinema? Provavelmente sim, em aldeias distantes, onde a versão é 98 ou XP. Gostaria de um dia retornar a navegar nesse braço-de-mar antigo, mas não sei se volto a me adaptar com travamento do PC ou pior ainda, com a sensação dos pés descalços na areia.
Então, porque estranhamente tenho sentido tanta falta do papel, do lápis e da borracha? De tocar em rostos, de sentir o gosto! Da prática de todos os meus sentidos. A visão e audição estão bem supridas, mas olfato, tato e paladar ficaram fora de uso. Gostava muito deles.
Carlinha não vai conhecer isto. Aliás, ando com saudades de tudo. Maldita memória a minha. Muitas megas de vida. Ela é de 49000000, guarda tudo. Ando lembrando muito dos meus amores anteriores ao Gates.
Eu beijava no portão, chorava a traição e não tinha o Norton para excluir a relação quando bichasse.
Existia feijoada com caipiríssima. Eu olhava a lua, eu cheirava as flores, mastigava maçã, dançava coladinho, beijava na boca.
Eu fiz isto sim meu amigo @.
Envelheci. Meu disco rígido está cansado. Preciso fazer um transplante de HD. Vai que tenho um erro fatal enquanto estou dormindo. Congelo e ninguém vai saber. Morro ou não?
Não morro definitivamente, pois minha vida está quase toda salva em CD, em DVD.
Definitivamente não expiro subitamente, a tecnologia não mais nos permite este luxo.
Virarei apenas um arquivo morto enterrado num temp, com possibilidades de purgar na lixeira, até que se delete este enlouquecido período da história, onde quem reina é o vírus da solidão.