Dois em um

                       Rosa Pena 


Meu corpo procura você no vazio vizinho da cama de casal. Está escuro, mas nem tão breu, pois seu cheiro entre os travesseiros ilumina o ambiente e essa mistura de sonhos que volta em flashes acende de vez a luz da madrugada, onde revejo suas pernas entrelaçadas nas minhas, sua língua doce-áspera procurando estrelas no céu da minha boca, peças nossas de roupas misturadas, minhas sedas envolvendo seu calção. Ouço com precisão seu riso sapeca, seu forte suspiro e acabo por despertar com a nítida impressão de que você acabou de me possuir ou fui possuída por mim? Sinto em meus dedos nossos afagos gostosos, são dos meus olhos que pulam os seus olhares maliciosos, a sua respiração descompassada venta de meu nariz. Tento insone adormecer com muita pena dos bicos dos meus seios tão longe de sua boca. É só impressão passageira, ataque de bobeira, pois já viramos um só desde o primeiro olhar. Eles estão orgulhosos em seu peito e sou eu quem deve beijá-los. Afago a gostosa aspereza que tenho em meu rosto, seu bigode agora mora em meu queixo e adoro penteá-lo do meu jeito, que afinal é o nosso.

O espelho incrédulo acha que se partiu, pois já não sabe distinguir quem é ele ou ela. Quase conformado que seu fim é numa lixeira lembra-se do seu antepassado que serviu às fantasias de Alice. Aliviado suspira:
-Não é maluquice, nem é inversão! É amor e paixão.


 imagem/Jones, Allen
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 27/08/2006
Alterado em 09/07/2008
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