Passo diariamente pela barraquinha de “Sucos do Zé”, mas já não paro como fazia quando criança. Arrumo tantas desculpas para nem sequer dar uma olhadinha e penso: sou ocupadíssima, tenho mil compromissos, casa, marido, filha e trabalho fora. Quando acabam as desculpas exclamo: — Também tenho que ter um tempo pra descansar, ora!
Não sei por que senti necessidade, hoje, de parar na barraquinha. Ela não fica a mais de cem metros donde moro, mas parecem, na pressa do dia-a-dia, quilômetros. Acho até que sei por que parei. Pedaços do Rio sem violência viraram focos de atração.
Verifico que ele conserva tudo como era há muitos anos, e apesar dos traços que o tempo deixou em seu rosto, mantém seu jeito jovem, a serenidade, a alegria. Em tom cordial me saúda: — O mesmo de sempre? Meio confusa, pois não lembro mais o que é o de sempre, respondo: — Pode ser! Quando ele começa a preparar, a memória vem na hora. Vitamina de morango com leite e muita groselha. Era, sem dúvida, a que eu mais gostava. Hoje, calculo as calorias. Perto de 1500, equivalente a uma lasanha! Volta o sabor da infância em minha boca! Bota bala e pirulito nisso!
Seu Zé encosta-se ao balcão e começa com sua prosa, contando tudo o que aconteceu durante o tempo em que não havíamos conversado. Conta da família (Zé Júnior virou engenheiro, quem diria!), fala da política, da seleção, mais dos acertos que dos erros (Brasil!), sempre com aquele jeito povo, buscando o lado bom de tudo nos seus comentários. Será que ele tem complexo de Poliana, ou eu ando amarga por não usar mais açúcar? Estou zero cal demais!
Enquanto ouço, reparo na caixa de frutas do lado de fora, onde crianças, da rua e de rua, passam direto roubando algumas, e tenho dúvida se o “Zé” percebe ou não. Lógico que não, penso eu. Vai dar mole assim? Sinto vergonha ao lembrar-me de que uma vez, no meu tempo de menina, também peguei uma tangerina, mesmo sem precisar. Por que peguei? Acho que considerava isso um desafio à vida. Fui babaca certas e muitas vezes, reconheço. Essa mania de deixar pelo menos uma caixa de frutas do lado de fora da barraquinha é antiga. Ainda bem que ele realmente nunca percebeu nossos delitos, o meu, principalmente, ou seria um mico! Depois de mais ou menos uma hora de papo, o Zé me conta: — Então menina (menina é tudo de bom), meus filhos, hoje, todos formados, ganhando bem, graças a Deus! — tira o boné com gesto de respeito ao supremo. — Querem que eu venda esta barraca e pare de trabalhar. Já pensei nisso, pois não dependo mais dela, mas ficar em casa parado, vendo TV e implicando com minha santa mulher? Eu não! Faz uma pausa e emenda: — E, afinal, quem daria algumas frutas pra essa molecada de rua, se a barraca fechasse? Ruborizada dou um beijo na bochecha dele.
Eu envelheço junto à máquina de calcular, no ar refrigerado bem gelado, com gotas de adoçante ao meu lado.
Roda viva.
Ele rejuvenesce sem fazer muita conta, ao ar livre, com bastante açúcar, envolto por crianças.
Roda... Gigante!
Vem aí o novo livro
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 14/05/2010
Alterado em 19/05/2010