Gratuito
Rosa Pena
Ontem resolvi sair, ir a um shopping. Vem dia do papai aí, tremendo movimento. Preciso dele, antítese do silêncio que andei vivendo. Minha filha já comprou o presente do “paizão” dela. Talvez eu não comprasse nada lá, ando dura de grana; um chopinho na praça de alimentação, um relax para meus dias de tensão. Um bordejo sem segundas intenções, andar apenas de bobeira, parar de pensar em asneiras.
Ao passar pelas galerias, observo um menino com pinta de peixe fora d'água para o local ser convidado a retirar-se de onde estava, cara colada numa vitrine, pelo dono da loja.
— Circulando você aí, com estas mãos sujas e deixando marcas de respiração no meu vidro.
Reparo no ar de impotência do quase adolescente.
Faço um rápido apanhado de meus tempos de professora primária. Lembro-me dos cartões que fazia em sala de aula, para a criançada colocar nos presente dos papais. Vivi algumas situações complicadas, mas sempre contornadas.
Dia dos Pais e das Mães sempre tiveram cheiro de festa.
Alguns alunos sem pais, alguns que sequer conheceram os seus. Muitos que não poderiam comprar presentes, pois os pais estavam desempregados, se contentavam apenas com aquele cartão.
Até os pais ausentes, os pais indiferentes, faziam-se merecedores nesta ocasião. Todos queriam fazer os seus. No fundo, sempre havia a esperança de se dar a alguém que representasse o sonhado pai.
Há duas décadas passadas, todos saíam com seus cartões e um baita sorriso no rosto.
Penso neste momento em meu pai que já se foi. Baixa a saudade e uma sensação de orfandade minha. Para piorar, penso na orfandade do Brasil, quase todos nós, órfãos de nossos anseios.
Percebo que cada dia mais aumenta o número de brasileiros achatando o nariz em vitrines de lojas. Achatando as esperanças.
Volto a pensar nos cartões. Uma cartolina equivale a quatro pães.
Corro até o menino e grito:
— Beija seu pai, beija muito!
Aproveita que o beijo ainda é de graça.