My Cherie Amour
Rosa Pena
Não imaginou solos de saxofone com John Coltrane nas madrugadas de pernas entrelaçadas. Sequer um sambinha de uma nota só. Bastava-lhe o emaranhado dos corpos e o som do suspiro.
Não concebeu serenatas em sua homenagem, apesar de sentir-se totalmente Julieta com todos os tipos de proibições e dores de amor.
Não inventou cenas cinematográficas de dois bêbados de ternura, tomando porres pelas esquinas da vida, por conta de uma paixão impossível.
Não exigiu sonetos declamados em coretos freqüentados por cães sem dono, sequer tercetos escritos em guardanapos em fins de noite.
Não criou um dedilhado “Eu sei que vou te amar” num piano de cauda nos Arcos da Lapa, nem um avião da esquadrilha da fumaça escrevendo seu nome no céu. Nem mesmo o alto-falante do carro da pamonha chamando-a de meu iaiá, meu ioiô.
Não fez de sua vida um inferno ao som de um bolero de Gardel.
Preferiu o silêncio, quase sacro, para não profanar uma amizade tão bonita. Optou pela distância de corpos deixando apenas a mente enamorada. O som passou a ser o crepitar de uma chuva, cúmplice dos olhos. Encerrou delicadamente, dentro de si, uma relação inexistente.
Foi nula realmente?
Certamente que não. Apenas fora de tempo.
O inverno em Paris é de doer os ossos, mas não existe neve que anule a cidade luz.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/03/2010
Alterado em 19/06/2016