Eternamente nós
Rosa Pena
Resolvi namorar muito, pois afinal constatei que sou realmente louca pelo meu transgressor. Então escolhi Penedo para cenário do meu tórrido romance deste verão 2004.
Considerei que, como já vou muito à praia, deveria variar o local, para criar um climão. Penedo costuma ser frio, ter chalés com lareira, banheiras do tipo furor, vinhos maravilhosos, fondue saborosos. Junte-se a isso a tremenda disposição de fazer os últimos dias de janeiro deste novo ano um momento de paixão avassaladora. Retomada de algo que não se quer perder.
Escolhi a Pousada Teto Doce, a mais distante do centro. Também priorizei o último chalé, bem longe do burburinho da pousada. Estava de fato mal-intencionada.
Na mala, calcinhas de renda, camisolas frenéticas, cds românticos do gênero “que venha este homem depois de algumas chuvas”.
Durante a viagem, rola aquele lance de namorados, aquela mão boba quando ele vai trocar a marcha, beijinhos roubados, olhares enamorados. Tudo promete a perfeita execução do projeto “tirando o pé da lama”.
Na chegada, ficamos encantados com o hotel, apesar do calor de quarenta graus na sombra e a mala cheia de malhas e lãs lindas de morrer, que fariam de mim a Belle de Jour. Uma gola rolê com os cabelos molhados, passando os lábios no cálice de vinho, é show.
Partimos para nosso chalé acompanhados por um senhor que levava as malas.
Subimos bastante e chegamos ofegantes, suados e acabados em nossa suíte dos pecados. Merda, quero meus vinte anos de volta.
Bem, resolvemos que com aquele calor infernal o melhor seria deixar as malas em um canto e partir para a piscina.
E lá vamos nós descer a ladeira. Eta, a swimming pool está lotada. Disputo uma cadeira e me jogo nela esgotada. Maridão se atira na água com a visível preocupação de se recuperar para cumprir a expectativa. Penso que não temos pressa para dar vazão ao nosso eterno caso. A noite será uma criança. E brinco na piscina, conheço casais, rola muita cerveja, lingüiça frita e tudo mais. O tempo voa. Avisam que o almoço só vai até às quinze horas. Corremos para nosso quarto — parece que a escada aumentou. Nos secamos rapidamente e descemos batidos para o restaurante. Estamos esgotados.
O cheiro da feijoada está maravilhoso e a fome é negra. Não posso ficar fora do programa Fome Zero, e me acabo nela. Aliás, nos acabamos. Ele, inclusive, abusa da caipirinha.
Depois da sobremesa, percebo que meus olhos cismam em se fechar. Os dele já estão quase cerrados. Então, voltamos à estiva de subir de novo para o nosso canto afrodisíaco.
Chegamos lá já no clima de “quem é o culpado de ter escolhido um chalé tão alto?”
Despencamos na cama king size, virados cada um para o seu lado. Descubro que o maior barato da vida é a tal sesta depois do almoço. E simplesmente dormimos a tarde toda. Acordo apenas porque levei uma picada de um inseto não identificado na canela. A danada coça e está inchando. Estou com panturrilha de marombeira.
Desperto meu parceiro e ele, sonado, manda eu pôr gelo e insiste em dormir. Eu, injuriada e aleijada, a picada naquele momento foi quase fatal, digo que acorde, que não fomos ali para dormir. A contragosto minha cara-metade cede e me dá um beijinho no rosto, então concluo que nada está perdido, visto que a noite ainda é uma criança.
Azia domina nossos corpos, o calor é de cinqüenta graus, portanto o vinho é esquecido, a hidro também. Resta uma boa ducha e depois uma comidinha leve. Recuperaremos as forças.
Entramos na ducha, toca o celular. Saio correndo. Nossa filhota aflita em saber se está tudo bem e se estamos gostando. Eu fico meia hora no telefone com minha princesa, e meu namorante grita que já está enrugado na água. Mando que ele saia para falar com nossa menina. Ele me substitui no telefone, pois como sempre nossa filha quer resolver o destino do mundo em nossa ausência e pelo celular, que insiste em ficar longe e péssimo. Vejo ele de toalha, vagando na varanda, se contorcendo para achar a posição ideal para ouvi-la melhor. Bem, finalmente conseguimos dizer a filhinha que resolveremos o estágio da faculdade na segunda, quando chegarmos.
A fome nos leva a abortar qualquer plano sensual e resolvemos descer e comer algo leve. E vamos nós à estiva. Reina a alegria no salão de jogos e pedimos um “sanduba” de presunto com uma coca, e aceitamos participar de um torneio de buraco, como nos velhos tempos. Jogamos e perdemos na terceira rodada, por minha culpa, que dei uma canastra suja aos adversários. Meu marido não admite meu erro absurdo, mas me defendo dizendo que pelo menos a canastra era suja. Começa a rolar um climão totalmente diferente do imaginado na programação destes dias de amor. Resolvo tentar resgatar o tesão e, alisando o bigode dele, proponho subirmos para nosso recanto. Vamos nós pela escadaria, saudosos do vigor de nossa infância. Puts! Juro que vou praticar esportes e voltar a ter condicionamento físico.
Bem, a noite agora está adolescente e a lua está linda. Entramos no quarto cansados, mas de mãos dadas.
Acendemos a luz e damos de cara com uma gatinha siamesa linda, grávida, refestelada na beira da lareira. Os olhos brilham lindamente. Eu grito na hora:
— Olha a Odete!
Bem, lembrei-me imediatamente de uma amiga muito querida que adora gatos e tem os olhos como os desta gata.
Meu marido gosta de animais, mas diz que a Odete está no lugar errado e na hora errada.
Resolve ligar para a recepção e esta já está fechada. Decide, então, tirar a Odete do quarto, mas ela não sai, mas não sai mesmo. Eu defendo a bichana adorável, e para evitar brigas ele cede já irritado. Digo que esqueça a Odete e beijo ele forte. Começamos a nos abraçar e ele se grila com o olhar da gata. Diz que não fica à vontade para fazer amor na presença dela. Sente-se observado por um voyeur. Possesso com a situação, sai do quarto e desce rápido. Assustada, eu bato a porta e de camisola mesmo corro atrás dele. Ele entra no nosso carro. Eu também entro. Reina o silêncio. Ele liga o som e encosta a cabeça no banco. Eu sinto o cheiro daquele macho que amo, dentro daquele carro fechado. Ele sente meu cheiro de fêmea no cio. Sem emitirmos som algum, nossos corpos rolam para o banco de trás.
A noite, já mulher madura, assiste agora a uma cena proibida para os não-amantes.
Ali nos fizemos um só novamente, e acho que definitivamente.
Sem lareira, sem vinho, sem chalé, sem rendas.
Um homem, uma mulher e uma paixão louca são os ingredientes maiores para se viver um grande amor.
Penedo é lindo.
foto: Pousada Teto Doce.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 20/01/2005
Alterado em 06/10/2008