O COLAR
Rosa Pena
Ele, oriundo de tantos seixos, manuseado por máquinas poderosas e mãos artesanais, lapidado em momentos em que teria sido melhor ficar em sua forma bruta, exposto a inúmeras luas, muitas minguantes de sorrisos, eclipses parciais de sonhos, total de esperanças, agora exibido nas vitrines da vida à espera de um colo afetuoso.
Enfim ganha uma mirada atenta. Lisonjeado pela delicadeza de seu olhar almeja ser acariciado pela dona da nuca responsável pelo brilho deles. Por que você demorou tanto tempo?
Ah! Minhas tentativas em decifrar o seu ontem, o que foi bonito ou feio para você, sem minha participação. Desgostos seus, em momentos de gostos meus. Sinto um intervalo ocioso no tempo, o que passou sem nossos corações exclamando: - muito prazer- ao serem apresentados. Aquarelas que não pintamos em dupla, versos que fizemos no singular, alguma chuva que resfriou você e não fui eu que enxuguei os espirros, uma risada sua bem safada, e também não fui eu a dona da piada.
Ah! Os beijos desperdiçados em outros lábios.
Ah! Que dó de mim.
Busco vestígios do seu "antes" e fico enfurecida por não ter estado lá, vejo resquícios no meu e percebo que sua falta criou um buraco, muito maior que o da camada de ozônio, na minha atmosfera de recordações. Finalmente constato que a matemática sempre foi absurdamente inexata, pois eu mais você somamos exatamente um, depois de tantos cálculos para não se exilar na loucura. Demoro, porém, a entender que precisávamos perder e ganhar pedras sem cor e contas douradas, por vezes polidas no martelo do desamor, para enfim juntá-las em um só fio e virar um adereço merecedor de murar e morar em nosso pescoço.
O tempo não foi preguiçoso com ele e foi precioso conosco.
Ah! Que bom esse novo tempo de colar bocas.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 14/06/2006
Alterado em 26/09/2008