ROSA & PROVEDOR

Rosa Pena


Ele parou e me levou ao desespero.
Resolvo que vou mudar, mas lembro-me dos outros que volta e meia param. Então acho que não adianta mudar.

Minha relação com o meu provedor é uma relação idêntica ao dos casamentos falidos, mas que o casal fica unido na covardia.
O medo do novo é grande e sabe-se que depois de algum tempo os problemas serão muito semelhantes.
A mudança de nome, de endereço, a perda de contatos, o sumiço daquele amigo que sempre apoiou, tudo tão parecido com o divórcio. O novo assusta. Então fica-se com o velho.

Felizes para sempre? E quem é feliz sempre?

Lembrei-me do psicanalista Goldin, autor de "História de Amor e Sexo".
Descreve casamentos onde os parceiros encaram a relação como uma aposentadoria. "Contrato vitalício, funciona automaticamente".

Não existe preocupação com a sedução, não precisa fazer mais nada.
Só descansar e permanecer casado.
Na aposentadoria, ao final de cada mês, vai-se ao banco receber.

Nos casamentos mortos, transa-se também uma vez por mês para fazer a manutenção. Mortos vitalícios. Duram até que a morte os separe. Como se mata o que já está morto? Mas que é uma relação cômoda pra diabo, lá isso é.

Não existem brigas feias nem discussões saudáveis. Nem choro, nem riso. As fases de crises, ciúmes, eróticas, ajustes, greve de sexo, principalmente de emoções, de muitas emoções, já eram. A intimidade some, a cumplicidade foi-se. Reina um silêncio sepulcral; finge-se que está tudo bem. Relacionamentos pacíficos. Merda! Uma grande merda!

Quem quer esta relação onde não existe crise e destempero?
Muito bom, bom demais mesmo, apesar de parecerem terríveis no momento, são as batalhas amorosas, com feridos, arrependidos, ganhadores, perdedores, culpas e culpados. Qualquer coisa é melhor do que se ver encurralada no tédio. Colocar intensidade na vida. Ser protagonista de um romance e não coadjuvante de uma relação inexistente.

"Afinal, nada é mais vitalício do que a morte."

Volto meu pensamento para a inter.net, pois em minha caixa de entrada reina o silêncio. Reparo que voltei a fumar muito e minha testa está franzida.

Corro o risco de trocar de provedor ou o torno vitalício?

2002


livro Eu & a Net
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 11/05/2005
Alterado em 03/10/2008
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