replay do replay
Rosa Pena
Esse amor que ela nutre como um filho recém-nascido, é para o seu amado um afeto de bagatelas, dos resíduos de outros que ele já teve, é do apenas mais um, replay do replay, aquele que mais cedo ou mais tarde ficará em branco em nenhuma página, uma ternura que desbotará no fundo de um armário, sem nunca ter sido lavado ou exposto ao sol, esquecido em alguma caixinha que guarda aquele monte de coisas da coleção de não sei o quê. Moeda, entradas de show, passaporte vencido, foto do bem que se quis...
Esse amor que ela insiste em colorir em sua cabeça aquarela, é dos que nunca terão raízes, dos que jamais cumprirão um ciclo, como um movimento de translação que define estações, permanecerá só no de rotação: ela em torno dela sem saber se é dia ou noite, e de repente, ah! Será levado pelo vento, subirá qual pipa boba além dos fios de alta tensão e desaparecerá por detrás de algum arranha-céu sem glamour algum, sumirá sim, mas entre um daqueles prédios velhos despossuídos de anúncios em néon.
Esse amor que ela teima em curtir como curte as músicas do Chico Buarque "Quero ficar no teu corpo feito tatuagem" é daqueles que não se sustenta sobre si mesmo, que para o amado não vale preço algum, é descartável, prescindível. É um amor sem saudades dos dias longe um do outro, sem as olheiras do regresso, sem os silêncios da cumplicidade, sem rasteiras por querer e sem querer, sem cheiro de tempero caseiro, sem geladeira quebrada, sem tícket refeição, sem conta exorbitante de celular, sem grandes burradas, sem gripe, sem falta de paciência, sem ódio apaixonado, sem pé dolorido em busca do CD favorito para o dia dos namorados.
É um amor que chegou atrasado ao cinema. Só pegou o The End.