Voou, voou, voou, voou, voou...
Rosa Pena
Eu sei que você não precisa mais de minhas mãos para sustentar seus passos e também sei que as mãos que você quer para fazer cafuné nos seus cabelos não são as minhas. Sei também que foram elas que deram tchau a estabilidade do lar paterno que de tão certa é uma chata. Na minha vez também não titubeei e olha que minha mãe usava avental sujo de ovo. Eu uso jeans igualzinho ao seu, logo não deveria ter sentido dessa maneira tão forte o esvaziamento do ninho.
Eu sei que as suas mãos já sabem esticar o lençol de casal, temperar o peito da galinha, segurar a sacola da feira e muito em breve serão elas que farão uma cerca de travesseiros em sua cama para a novíssima mãozinha não ir cedo demais parar no chão. Imagino quantas vezes suas mãos não folhearão o livro do Patinho Feio. Será que ele depois que virou um cisne adulto mudou de lago?
Eu sei que a vida é assim e não poderia ficar parada na sua maçã raspadinha, nem na sua coleção de lapiseiras, muito menos nas suas festinhas temáticas, que eu adorava. Afinal eu sou uma mulher completamente resolvida, escritora da era virtual, usuária da escova progressiva, que aplaudiu muito o filme feminista Thelma e Louise, que adora “Futuros amantes” do Chico Buarque, ainda mais se o protagonista for ele, e quantas vezes euzinha aqui não sonhei em ter um dia inteirinho só para mim!
Ilusório paraíso. A solidão dá filhotes que se chamam grilos e agora meu tempo está sendo todo ocupado em tomar conta deles. Não trocando fraldas, fazendo suco, escondendo biscoitos ou enfiando espinafre sorrateiramente no feijão. Essa cria que nasce na cabeça toma tarja preta e adora fazer perguntas cinematográficas às consciências desavisadas: “O que aconteceu à minha vida?” Essa é da Shirley MacLaine no filme Romance de Outono.
O sino do colégio tocou. É hora da Ave-maria. Mamãe rezava na pia. Eu rezo no computador. Percebo que agora entre mim e ela nada mudou, somos iguais de jeans, de avental, na pia, no micro. Mães ficam idênticas quando passam a ser seis da tarde, idade da nostalgia.
Mas nada de caraminholas de herança! Você, meu bem, ainda é meio-dia...Hora certa de fazer seu ninho. Que ele seja abençoado! Amém.
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 17/03/2009
Alterado em 16/08/2013