Peculiar

     Rosa Pena


— Conseguiu finalmente matriculá-la?

— Não, nesta também não aceitam crianças especiais.

— Explicou que ela fala a nossa língua, apesar de forma ligeiramente diferente, mas que dá para entender perfeitamente? Que faz xixi no banheiro deixando apenas alguns pingos fora do vaso, que come com as próprias mãos sujando só um tiquinho a toalha, que sabe andar sozinha, sorri bastante feliz, ainda que tardiamente, nas brincadeiras e chora sentida mais rapidamente com agressões? Que adora batata frita, hambúrguer, coca-cola e sorvete? Que faz festa de aniversário todo ano e adora ganhar adesivos bem coloridos? Que acredita em Papai Noel embora morra de medo dele? Que sonha em ter um monte de amigos, mesmo não sabendo que sonha com isso? Que não sabe o que é proibido e o que é permitido só enquanto não for avisada? Que já aprendeu o que é prêmio e castigo? Que tem adoração por pintinhos e pena das formigas? Que sabe um monte de coisas, porém, não enxerga ainda que sabe?

 —Sim, mas o colégio não aceita crianças diferentes.

— Será que ela ficou tão peculiar, por saber tocar violino sem partitura aos sete anos ou a culpa são os seus olhinhos amendoados em demasia que não a permitem estudar com os demais?

"Uma sociedade que não admite os desiguais, dá as costas à civilização"

(para meus alunos portadores da síndrome de Down)

2003

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 01/05/2005
Alterado em 03/10/2008
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