Tolerância Zero

Rosa Pena

Estou velha,  madura demais. Odeio rúcula. Não estou amarga  nem estou nostálgica. Estou injuriada com o mundo atual, de saco cheio de bundas "machas" e fêmeas, seios siliconizados, barriguinha sarada, bíceps bem definidos, tchutchucas e tigrões. Também estou lotada até a raiz dos cabelos daqueles idiotas com discursos ocos e decorados que ensinam aos irmãos de jornada como serem felizes ganhando menos que um salário mínimo e ainda têm que dar o dízimo para o pastor. Prefiro Dálmata. Lotadíssima de falsos escritores imbecis que escrevem sobre os escândalos da hora e dos débeis mentais que lêem esse monte de merda e dão Ibope pro idiota, pois esse, infelizmente, do Assis só conhece o machado, de preferência grande e grosso. Sinto vontade de meditar o que o ego de uma pessoa ganha quando ela mesma se engana.

Estou velha, madura demais. Odeio barra de cereal. Bateu uma saudade furiosa do tempo em que se lia à vera Dom Casmurro para aprender a escrever e fazer prova na escola, dançava-se ao som do Ray Conniff, namorava-se um estudante sem comunidade no Orkut, tinha-se filhos e filhas que brincavam de bonecas e bolas, mocinhas namoravam meninos que queriam ser engenheiros, rapazes buscavam meninas que queriam ser professoras, mulher tinha os seios que Deus lhe deu, homem cobiçava ter pêlos, pois dava status. Agora são todos fantoches depilados, com bundas empinadas que tiram zero no Enem. O pessoal mais velho “arigatou-se” à Pitanguy. Olhinho bem puxadinho morou?

Estou velha,  madura demais. Odeio tomates secos. Essa galera que faz monólogo com Narciso sobre o quão grandioso é o visual me dá nojo. Eu gostava por demais de conversar e escrever com conteúdo e agora o papo é só sobre embalagem, quem é o papel totalmente em branco, porém brilhoso e coberto de purpurinas, quem tem menos neurônios e que vive no mundo sem procurar respostas, pois não sabe nem que tem perguntas! Acho que realmente esse provérbio está correto: "Dos ignorantes é o reino dos céus".

Estou velha,  madura demais. Odeio Açaí. Mas saibam que não virei falsa moralista. Continuo gostando de Nelson Rodrigues, anjo pornográfico que sabe escrever muitíssimo bem, de Woody Allen, de Beatles, de homens com barbas e bigodes, de decotes profundos que insinuam meus seios pêras de mulher madura, de dançar bem apertadinho, de ouvir e contar piadas picantes na hora delas, de chorar com alguém pelo mundo que não vai nadinha bem.

Só não sei onde encontro outras pessoas que me olhem nos olhos sem se preocuparem com as rugas que tenho nos cantos deles. Alguém que ainda aprecia alface, tomates frescos tirados da horta e suco de laranja. Alguém que queira alcançar o reino dos céus apesar de sempre procurar muitas respostas, inclusive a do porque o ser humano precisa se imolar na juventude e se plastificar na idade avançada para fingir o que não é ou então enganar que ainda não viveu, logo não envelheceu como eu.