Teoria da relatividade
Rosa Pena
Fim de ano quase exige uma crônica de esperança, ainda que você não seja cristão, consumista, comilão. Mas como escrever algo sem repetir as trivialidades do Natal e do Ano Novo? Tudo o que tem a se dizer é lugar-comum. O Natal é governado pelo regime absolutista da fraternidade. Ai de quem mexer com ele, pois sempre foi aceito pela maioria e só contestado pelos “chatos intelectuais” que gritam contra inflação das nozes, do bacalhau, da banalização da palavra amor, bondade, esquecidas rapidamente no dia 26 e relembradas no dia 31 acrescidas de emocionados desejos de muita paz e plena luz enquanto ainda estão sóbrios, pois depois da terceira champanhota: -Não fala alto senão eu grito.
Nesse período "Ho ho ho!" tudo fica tão comum, tão igual, a encheção de saco do jingle bells desde Chitãozinho e Xororó até Madeleine Peyroux. Um Papai Noel (tenho mania de achar todos com cara de pedófilos) em cada esquina, tanto faz gordo ou fino, uma caixinha no balcão do desaforado açougueiro que sempre roubou no troco, reunião dos inimigos do trabalho, presentes idênticos Made In China, os mesmíssimos cartões enviados anteriormente, as mensagens eletrônicas tão iguais, a imensa vontade de dar algo a uma criancinha bem pobre para ganhar um camarote no reino dos céus, algum sacrificiozinho de merda que valha a absolvição.
Uma de minhas poucas certezas é que logo após o período de festas seremos somente co-habitantes de um universo indiferente e sem sentido, e é ela que teima em roubar o meu sorriso, daí vem uma vontade imensa que esse período de lavagem de consciência, de promessas que não serão cumpridas, dessa infidelidade com o nascimento do menino Jesus, da inflação da palavra caridade, da alta da bolsa família por apenas uns dias, passe bem rápido. É mais fácil conviver com a velha conhecida hipocrisia do dia-a-dia.
Atualmente sinto dificuldade em escrever sobre o natal e pensar que já gostei tanto dele, que já me acabei mil vezes em réveillon.'The shadow of your smile!?
Desisto de buscar inspiração que me leve a ouvir os sinos de Belém. O melhor a fazer é listar as compras natalinas com ou sem convicção da festa.
Pego minha agenda e ao abri-la vejo um bilhete de Felipe meu sobrinho-neto de sete anos.
Tia Rosa
Pede você ao Papai Noel a minha bicicleta e o Homem Aranha pro João.
To com medo dele não entender minha letra.
Felipe.
Repenso sobre tudo que escrevi do Natal. Acho que ele é o supremo momento de guardar a lógica, tirar os pés do chão e viver a fantasia. O bom e o ruim são tão relativos!
Deixarei as críticas de lado e entupirei a casa de bolas douradas. Afinal essas crianças são o prefácio da vida enquanto eu virei o epílogo.
Que ruído é esse? Parecem badaladas!
foto: Felipe