Eixo do mundo
Rosa Pena
O que se acha fodão, acredita que tudo que se faz no mundo é cópia do que ele já fez.
E se provarmos que é inédito? Ele alega que havia pensado antes e os meros mortais leram o pensamento dele.
É um exemplo a ser seguido, é ensinamento ambulante, não erra jamais.
É profeta, pois já sabia antes.
— Eu sabia que ia acabar em separação este casamento.
E se deu tudo errado na vida dele? A culpa foi dos semelhantes que atrapalharam sua existência.
Não pede opinião, mas sente-se super à vontade para opinar. Aliás, só é bonzinho quem concordar com ele.
O sangue é mais vermelho. Nasceu de parto natural, fruto de um relacionamento ideal.
É o filho preferido, aquele que deu certo. Se filho único? Os pais assim quiseram porque não nasceria outro tão perfeito.
Se não gostar de cachorro, burro é quem gosta.
Nunca tem dúvidas e jamais afirmaria que a grande dúvida é a certeza.
Caso esteja alegre e você triste, você vira o baixo astral, mas se você estiver alegre e ele triste, você vira o inconveniente.
— Otário. Tá rindo de quê?
Louro não é papagaio, mas papagaio é louro, diz apenas para contestar.
Ajuda nas vaias que tomamos. Nos aplausos? A mão está machucada.
Cultua o mau-olhado, o gato preto que passa na frente, o espelho quebrado. Justificativas aos fracassos de sua perfeição, ora bolas.
Nunca paga, mas cobra qualquer favor.
Se do sexo feminino, as outras todas são feias. Se do sexo masculino, os outros todos são gays.
Não se apaixona, é sempre alvo de paixão.
Reina absoluto na solidão de si mesmo, mas reina, né? Afinal, basta ser rei.
Tem certeza absoluta da grande perda que o mundo sofrerá com sua morte.
É enterrado no jazigo da família, onde a formiga tem estirpe e come pouco, pois é educadíssima. Não vira pó, vira patrimônio da humanidade!
Fiz pensando numa pessoa. Como é o nome dela mesmo?
Esqueci.
2004
livro PreTextos
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 22/04/2005
Alterado em 10/10/2008