Meu querubim
Rosa PenaEle chegou em tempos de sósias, clones, DNA, celular, DVDS, congelados, transgênicos, peitos de silicone, perfume em spray, arte digital, telemarketing, fraldas e amores descartáveis.
Ele chegou com ar de volta, de reencontro de velhos conhecidos que se acham pelo cheiro, pelos dedos da poesia. Ladrão, pois rouba o sono, mas garante o sonho.
Como foi a aparição?
Foi especialíssima. Sabe quando o zero- cal fica mais doce que o açúcar?
Quando o pão vira de ló sem pedir autorização? Quando a luz apaga pra dar vez à chama da vela? Quando o copo d’água tem sabor de vinho? Quando o menino rouba uma flor pra dar a mãe? Quando a bateria se cala pro sax cantar baixinho? Quando a raposa cede as uvas? Quando uma gota vira chuva? Quando a poluição vira oxigênio? Quando um e-mail tem cheiro de carta? Quando o telefone é usado pra devaneio? Quando a alface nasce da sua horta? Quando o filho é a cara do pai sem exame? Quando o perfume se coloca em gotas?
Foi mais ou menos assim.
Ele veio torto como o de Drummond, esbelto como o de Adélia, safado como o do Chico, louco como o de Torquato. Ele veio, juro que sim!
Um anjo apareceu em minha vida, muito mais belo do que todos esses outros querubins. Veio com um sorriso tão luminoso que fez renascer flores no meio do carvão das antigas lareiras que teimam em morar dentro de mim.
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"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida".
Carlos Drummond de Andrade
"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta”
Com licença poética/Adélia Prado
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"Quando nasci veio um anjo safado"
Até o fim/ Chico Buarque de Hollanda
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"Quando eu nasci
um anjo louco muito louco "
Let's play that /Torquato Neto