Carta ao Rei RC
Rosa Pena
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2004.
Roberto Carlos:
Gostaria de abrir meu coração para ti, sendo absolutamente sincera contigo. Nunca fui tua fã incondicional, não fui a nenhum show teu, não tenho vinil nem cd, até porque não havia te sentido como rei em meu coração. Quando eu era mocinha, optei por bossa nova, MPB, rock, jazz. Tu já eras sucesso com a Jovem Guarda, e eu achava as músicas desta galera, por vezes, chatinhas, até mesmo bregas, indefinidas para mim. Não as reconhecia como rock, nem como samba, nem como nada. Não dei a devida atenção à tua poesia, nunca senti em tuas canções a tal “é uma brasa, mora?” Quantos “nãos e nuncas” dizemos em confissões. “Sempre” também usamos muito!
Sempre te amarei, nunca te esquecerei... Eta palavras danadas!
Realmente só fui descobrir os detalhes tão pequenos de nós dois depois dos quarenta. Acho que antes eu corria demais para ficar adulta e atualmente quero que o tempo pare ou regrida. De uns anos para cá, andei revendo meus conceitos, minhas escolhas afetivas, até porque todo ser pensante pode mudar de opinião, aliás, é bastante saudável, não achas? Acredito mesmo que ando em crise de existência, triste por ter valorizado em demasia coisas que de nada valiam e ter passado batida em coisas que teriam valido uma vida, se vividas.
Mas faz parte do show, dentro e fora do palco, os tais enganos com poucos ou muitos danos. Em alguns casos, gostaria muito de poder voltar no calendário. Impossível se faz. Em relação a ti, no entanto, posso tentar reverter. Confessar meus erros e tentar desabafar meu “eu” com teus versos.
Há tempo, ainda, de renovar minha fé que anda bastante cansada? Estou tão decepcionada com o verdadeiro sentido do amor. Quero muito ter amigos de fé. Quero perceber que convivo com irmãos que me estendam a mão e sentir que o mundo pode e deve ser camarada. Será que estou redondamente enganada?
Necessito amar sempre de todas as formas e maneiras. Quero voltar a sentir tesão pelo mundo. E te digo uma definição que ouvi de uma mulher: “Amor é feito de admiração e tesão.”
Desejo voltar a sentir admiração por meu amado e espero que ele volte a sentir por mim. Assim manteremos acesa a chama da verdade de quem ama. Quando falo de amado, estou falando de amor em geral. Sejam amores amigos, novos ou antigos. Até dos amores loucos, não definidos ou assumidos. Será que estes sentimentos amorosos estão ultrapassados?
Acho que fiquei antiga, gasta, como o meu velho tênis e a minha calça desbotada, mas, no entanto, persisto no sonho de encontrar um amante à sua moda, que nunca cairá em desuso, do tipo que ainda manda flores e trata a amada como eterna namorada. Onde acho? Enfim, quero a cada amanhecer ver o nascer do sol, pedir um lindo café da manhã para dois, mesmo que seja light, como os tempos modernos impõem; quero ter a certeza de que nada mais será em vão, que meu sorriso ou o meu pranto, apesar de contidos e elegantes, já que atualmente extravasar é “mico”, serão sempre frutos das emoções que eu vivi, enquanto estive por aqui.
É pedir muito na aurora da vida? Talvez sim. Mas sou poeta e a cabeça do poeta é repleta de sonhos e ilusões, sabes bem disso.
Se tiveres algumas dicas de como se consegue não perder as ilusões, coloque no próximo cd, pois este estará entre meus preferidos.
Despeço-me de ti colocando a coroa em tua cabeça, coisa que já deveria ter feito antes.
Percebes que te curti a vida toda e não vi? Quantas vezes será que isto fiz?
Um beijo de tua fã,
Rosa Pena
*
livro PreTextos/2004
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 15/04/2005
Alterado em 07/08/2008